Como o ACO e a FIA pretendem igualar os LMH e os LMDh
Jim Glickenhaus causou estrilho ao dizer recentemente numa entrevista que não acredita que “na prática” possa ser possível vencer as 24 Horas de Le Mans com um LMDh. Será exactamente isto que o ACO e a FIA quererão evitar quando a nova era dos LMH (Le Mans Hypercar) arrancar dentro de um mês.
Apesar de contenção nas palavras não ser o seu forte, Glickenhaus tocou na ferida. Então, o ACO e a FIA andaram anos a fio para desenhar os regulamentos dos LMH para chegarmos a 2023 e os carros da sua categoria rainha poderem ser batidos por protótipos LMDh pensados pelo e para o IMSA Sportscar Championship? Segundo as contas do ACO, os LMDh deverão custar cerca de 1 milhão de euros, excluindo o motor, muito mais baratos que os custos de qualquer hipercarro. A Glickenhaus, por exemplo, prevê comercializar o seu 007 por 2 milhões de euros e com mais 4 milhões de euros leva o carro para casa e faz a época toda do mundial de endurance. Será que os “convidados americanos” poderão mesmo vencer à geral? O ACO e a FIA acreditam que sim.
Para que não haja confusões, convém relembrar que a categoria LMH engloba cinco diferentes tipos de protótipos: protótipos híbridos, protótipos não-híbridos, supercarros de estrada híbridos, supercarros de estrada não-híbridos e LMDh. Portanto, apesar das duas particularidades, a categoria LMDh do IMSA Sportscar Championship não será tratada como uma classe diferenciada dentro do mundial de endurance e nas 24 Horas de Le Mans, mas sim como parte de uma categoria aberta a uma enorme panóplia de viaturas com construções técnicas muito diferentes.
Para conseguir aglomerar num só conjunto uma variedade tão grande deviaturas tecnicamente tão diferenciadas, e equilibrá-las de uma forma homogénea em termos de performance, parâmetros de potência, peso e eficiência aerodinâmica foram determinados e são colocados à prova face a um carro virtual de “referência” que foi criado pelas equipas técnicas da FIA e do ACO em CAD. Este serviu como comparativo nas primeiras fases de design para quem desenhou o Toyota GR010 Hypercar e o SCG 007 LMH.
Para obter a performance desejada, a FIA teve que ser extremamente limitativa nos parâmetros de design para os carros da categoria LMH – com a excepção dos LMDh que seguirão uma diferente regulamentação de design – incluindo o peso mínimo regulamentar, o centro de gravidade do motor e a caixa-de-velocidades. A distribuição de pesos é homologada para todos os carros com uma pequena tolerância, que deverá evitar que os construtores joguem com distribuições extremas de pesos entre eventos. O episódio da homologação pesará muito mais no construtor dos futuros “hipercarros”, pois esta terá a duração de cinco anos, sendo realizada no túnel de vento da Sauber, na Suíça, aonde a maior parte dos dados aerodinâmicos da categoria GTE eram recolhidos.
A primeira fase dos parâmetros a cumprir são um assunto para quem desenha os carros. Tradicionalmente, os problemas vêm a seguir. Tópicos como o desgaste dos pneus, sensibilidade de transferência de pesos e curva só são possíveis de estudar em condições de pista, e para que estes parâmetros se tornem precisos, quer-se uma substancial acumulação de quilómetros. Alterações pós-homologação só são permitidas para questões de fiabilidade e com a autorização da FIA. Esta era uma das razões que a Glickenhaus apontava para não ir a Sebring e foi por isso que acabou mesmo por desistir de alinhar nas 8 Horas de Portimão, pois a sua equipa não teve tempo suficiente de testes para ter a fiabilidade e a velocidade requerida para se comprometer no momento até 2025.
Houve igualmente a necessidade de alterar a filosofia da própria disciplina, colocando um travão a qualquer batalha de construtores de pneus. A utilização de um só construtor de pneus é condição necessária para que seja possível criar um Balanço de Performance (BoP). A Michelin irá fornecer medidas diferentes entre carros de duas rodas motrizes e de quatro. É importante notar que quase todos os LMH podem escolher duas dimensões de pneus consoante a melhor opção para a arquitectura do carro e a sua distribuição de peso, com a excepção dos futuros LMDh que terão a mesma janela de distribuição de peso e só têm uma opção no que respeita à dimensão de pneus.
Para o BoP entre as viaturas concorrentes, os organizadores vão deixar cair o absurdo “EoT” que marcou a última temporada dos LMP1 para apostarem na mesma fórmula utilizada para equiparar as performances dos GTE no FIA WEC. Contudo, o BoP dos LMH será ligeiramente diferente, em linhas gerais, com janelas de performance aerodinâmica mais apertadas e a introdução de um novo sensor de medidor de torque específico para a categoria. Ao contrário dos GTE e dos LMP1, só haverá um pacote aerodinâmico homologado por temporada e só é possível tapar as entradas de ar dos travões por questões de segurança (ndr: para estes atingirem a temperatura desejada).
Um LMDh tem como base um chassis LMP2 homologado (Dallara, Ligier, Multimatic ou Oreca), uma caixa de velocidades Xtrac e um sistema híbrido igual para todos. Apenas o motor e a carroçaria ficam a cargo do construtor. Um LMDh é essencialmente uma actualização dos actuais carros da classe Daytona Prototype International (DPi) e como estes e os LMDh terão que partilhar as pistas até 2023, os futuros LMDh que aparecerem a correr em 2022 irão ter a sua performance nivelada aos DPi de forma a não destruir a harmonia do IMSA Sportscar Championship. Portanto, só dentro de dois anos é que os LMDh se vão imiscuir no universo dos LMH.
“Um trabalho significativo foi alcançado para permitir que haja competição entre os LMH e LMDh”, disse Gilles Simon, o delegado técnico da FIA, numa entrevista recente à revista Racecar Engineering. “A janela de performance aerodinâmica, o peso mínimo e a potência máxima são idênticas. Essa foi a meta fundamental para alcançar a convergência entre dois tipos de carros. Era do interesse de todas as partes e especialmente dos construtores alcançar este objectivo global para as corridas de resistência. Ainda mais, todos os processos de homologação serão idênticos e realizados de uma forma transparente”.
As equipas técnicas da FIA e do ACO passaram horas a fio na fase de discussão da regulamentação técnicaa aperfeiçoar o conceito. Contudo, a implantação do equilíbrio entre diferentes carros não será assim tão simples, devido às diferentes características que cada um apresenta e às estratégias delineadas por cada uma das equipas. Felizmente, existe por agora um equilíbrio de forças no que respeita a construtores comprometidos em ambos os conceitos – Toyota, Peugeot e Ferrari nos LMH e Acura, Audi e Porsche nos LMDh – que nos permite acreditar que haverá menos interferências exteriores no trabalho do regulador.