F1 – Os perigos de um calendário demasiado extenso
A F1 irá tentar este ano fazer a época com mais corridas de sempre. Mas será que esta vontade de adicionar mais corridas ao calendário é benéfica para a competição? Será este o caminho certo para o Grande Circo?
Desde a entrada em cena da Liberty, cedo se percebeu que a vontade da então nova direção da F1 era expandir o desporto e levá-lo a mais sítios. Isso implicava a entrada de novas pistas, em países que ainda não tinham recebido o Grande Circo ou em mercados emergentes, com mais potencial humanos e financeiro, mas sem nunca perder a base forte da competição nas pistas ditas tradicionais. O resultado seria inevitavelmente um aumento do número de corridas por época. Quando a Liberty assumiu o leme, já o campeonato tinha 21 corridas por ano, um número considerado limite para as equipas.
Uma vontade antiga
A vontade da Liberty era clara, mas esbarrou sempre na vontade das equipas em manter as 20 corridas por ano. Um aumento do número de provas implica mais deslocações, mais gastos e acima de tudo mais desgaste de um staff que percorre os quatro cantos do mundo, ano após ano, a um ritmo alucinante. Mesmo olhando à pouca vontade das equipas, os donos do campeonato nunca abandonaram a ideia e aos poucos foram tentando dar amostras do que poderia ser o futuro.
A primeira veio em 2018 quando vimos pela primeira vez na F1 três fins de semanas seguidos com as provas de Paul Ricard, Red Bull Ring e Silverstone. Começou logo mal pois Paul Ricard tem oferecido corridas com pouco interesse e embora Red Bull Ring e Silverstone sejam palcos de eleição, chegamos ao fim da terceira corrida com a sensação de que o espetáculo tinha perdido. Com o cansaço acumulado nas equipas, e com o terceiro fim de semana seguido de corrida para os fãs, o espetáculo perdeu qualidade e entusiasmo. O veredito no final era claro… nunca mais!
Pilotos contra a ideia
Mas o tema nunca foi verdadeiramente colocado na gaveta e ciclicamente surgiram sugestões para mudar o formato do fim de semana, sempre com tendência para o tornar mais curto e com a clara intenção de pavimentar o caminho que não era do agrado de equipas e pilotos.
Carlos Sainz disse uma vez “A minha opinião pessoal é que já estamos a atingir o limite do que é possível na Fórmula 1. Não me importo de participar de 23, 24 ou 25 corridas, mas vejo que há pessoas nas equipas que sofrerão muito mais do que os pilotos. Isso teria que ser levado em consideração, porque teríamos que mudar a estrutura das equipas, começar a ter duas equipas numa, para alternar entre corridas. E não queremos chegar a esse ponto. Mas 22 corridas está no limite.”
“O meu calendário ideal tem entre 20 e 22 corridas, no máximo. Eu não digo isso por mim, digo pelos os membros da equipa que trabalham muitas horas no circuito e viajam muito e não têm as mesmas condições que os pilotos. ”
Já Hamilton foi mais taxativo: “Acho que 18 corridas por ano, foi provavelmente o melhor compromisso que tivemos. Adoro corridas, mas a temporada é longa. É necessário um grande compromisso de todos e é muito tempo longe das famílias. As temporadas estão a ficar mais longas e o tempo de folga cada vez menor. Só posso falar por mim. O intervalo entre uma época e a seguinte é tão curto que começamos a preparação logo que a temporada termina. Ter a mente preparada torna-se difícil. Torna-se necessário encontrar uma maneira de desligar e recuperar ao mesmo tempo. É mais provável que eu não esteja aqui se chegarmos a 25 corridas.”
A motivação para o aumento e os riscos
Apesar das críticas frequentes, o novo Pacto de Concórdia foi assinado com as equipas a aceitarem um máximo de 25 corridas por ano. Não é portanto de espantar que a curto prazo a F1 chegará a esse número.
Não será certamente preciso perder muito tempo a explicar o porquê desta vontade férrea de aumentar o calendário… Dinheiro. A F1 procura novos mercados que possam trazer novas fontes de rendimento para rechear ainda mais o bolo que tem de alimentar uma competição com um voraz apetite por notas de dólares. Mas há um risco que se corre com esta vontade.
Há obviamente um problema que se prende com a ida da F1 a certos países que de alguma forma representam o contrário da mensagem que o desporto quer passar, como a igualdade de direitos, a diversidade. É um problema que daria pano para mangas e que não será abordado aqui. Mas o maior problema é que a F1 pode tropeçar nela própria ao aumentar o número de corridas.
Na teoria, mais corridas implicam mais ação em pista, mais emoção, o que todo o fãs pretende. Mas a realidade pode ser bem diferente. Com 25 corridas em 52 semanas teríamos quase uma corrida de 15 em 15 dias. Mas tendo em conta que a F1 começa apenas em março, que costuma terminar em dezembro e que há uma paragem de aproximadamente três semanas no verão podemos tirar 15 semanas às 52 o que dá 25 corridas a distribuir por 37 semanas. É um ritmo avassalador a nível logístico, até mesmo para uma estrutura bem oleada como a F1. Mas as corridas chegarão até aos fãs quase de rajada, um pouco à semelhança do que aconteceu em 2020. Tivemos 17 corridas em 23 semanas, duas sequência de três corridas, uma amostra do que poderá ser a F1 do futuro. Muitos dirão que foi uma excelente época, dadas as circunstâncias ( e mérito seja dado a quem o merece a F1 fez um trabalho estupendo), mas esquecemo-nos que os pontos altos desta época aconteceram em pistas que em condições normais não estarão no calendário. E o problema é esse. Corremos o risco de ter uma época em que circuitos menos interessantes, mas com bolsos mais fundos, preenchem um calendário que por muitas corridas que tenha será sempre… morno.
A F1 continua interessante para o fã ávido da competição como um todo, desde a tecnologia à estratégia, à política… um sem fim de motivos de interesse. Mas para o fã “comum” a F1 é a qualificação ao sábado e a corrida ao domingo. E se tivermos 25 ou 30 corridas todas elas com um vencedor mais que esperado e com pouco “sumo”, será apenas uma procissão de provas que pouco acrescentarão. Para a F1 servir 25 corridas tem de ter sempre corridas fantásticas o que realisticamente é impossível, ou ter uma narrativa que acompanhe a época e que prenda as pessoas, ou seja, uma verdadeira luta pelo título.
A competição caminha para uma nova era com chassis que deverão permitir corridas mais interessantes e mais lutas em pista. A F1 no seu todo está a tornar-se mais apetecível quer para os fãs, quer para investidores, quer até para as equipas que terão mais hipóteses de ser competitivas, nivelando o campeonato, mas ainda não dá o espetáculo que pode e deve dar. E enquanto não tiver esses ingredientes não deve servir, de forma repetida, o mesmo “menu” correndo o risco de cansar quem vê.
A F1 deve aprender a ser como as grandes séries de TV que não dão logo tudo de uma vez. A F1 deve dar tempo para que o interesse cresça, para digerir as corridas com tempo, para que os fãs fiquem com fome de mais. As 20 ou 21 corridas parecem ser o compromisso certo, mais ainda com a vontade de trazer de forma rotativa alguns circuitos o que poderá dar, de ano para ano uma variedade saudável. É um compromisso que permite às equipas estarem sempre no topo da forma, que vai de encontro à vontade da F1 ser mais sustentável (o aumento de corridas vai contra essa ideia) que permite apreciar o espetáculo com o devido tempo e dá já um número considerável de provas. Num mundo onde a quantidade se tem sobreposto à qualidade, era bom ver a F1 fugir a esse registo. Caso contrário poderá tornar-se apenas mais uma competição.