As sete vidas de Kimi Raikkonen
Kimi Raikkonen vai disputar no próximo ano a sua décima nona temporada na Fórmula 1 e apesar de muitas vezes ter parecido chegar ao fim da linha, continua na categoria máxima do desporto automóvel.
Só para colocar a longevidade da carreira do finlandês em perspetiva, quando em 2001 se estreou no mundo dos Grandes Prémios, Lando Norris tinha apenas um ano e George Russell dois, ao passo que António Giovinazzi, o seu colega de equipa na Alfa Romeo, tinha sete.
A entrada de Raikkonen na F1 não passou incólume à polémica, uma vez que o então, jovem de 21 anos tinha completado apenas 23 corridas de automóveis e, apesar de ter ganho treze delas, Max Mosley, o presidente da FIA da altura, e outras figuras da categoria máxima do desporto automóvel consideraram que chegava aos monolugares mais performantes da mundo demasiado cedo.
Com tantas pessoas poderosas contra a sua estreia na F1, o ‘Iceman’ passou pela sua primeira “prova de vida” no topo, respondendo em pista aos seus detratores. Antes de mais, em testes mostrou que tinha andamento para estar entre os melhores e para aqueles que ainda duvidavam das suas capacidades no seu primeiro GP, o da Austrália, terminou em sexto, conquistando o seu primeiro ponto no principal campeonato da FIA.
No final da temporada, Raikkonen terminava o Campeonato de Pilotos no 10º posto com nove pontos, menos três que Nick Heidfeld, que estava na sua segunda temporada na categoria máxima e vinha a ser preparado pela Mercedes para um dia subir à McLaren, a equipa oficial do construtor germânico.
Com apenas 21 anos e com a resistência à sua estreia na Fórmula 1, outro poderia acusar a pressão e cair num poço que o levaria à saída da categoria – basta relembrar o que este ano está passar-se com Alex Albon – mas Raikkonen não se atemorizou, respondendo com a fleuma que se lhe reconhece e passou a ser a sua assinatura ao longo da sua já extensa carreira.
Não só o finlandês reduziu as críticas que lhe foram endereçadas à insignificância de um caixote do lixo, como destruiu o seu colega de equipa ao ser escolhido pela McLaren para substituir Mika Hakkinen, que terminou a sua carreira na Fórmula 1 em 2001.
O ‘Iceman’ chegava à formação de Woking com grandes aspirações, esperando repetir ao serviço de Ron Dennis o mesmo que o seu conterrâneo fizera, ou seja, conquistar vitórias e títulos mundiais.
Os triunfos demoraram e só em 2003 conseguiu o seu primeiro sucesso em Grandes Prémios e, nesse ano, mesmo com um carro inferior, esteve envolvido na luta pelo título com Michael Schumacher, acabando no segundo posto do Campeonato de Pilotos.
Mas aquela era uma época em que a McLaren passava por um momento de reestruturação, com a vontade de Adrian Newey em abandonar a equipa, com a sua quase ida para a Jaguar, acabando por sair para a Red Bull em 2006.
A competitividade dos monolugares de Woking era inconsistente e a fiabilidade enervante, levando Raikkonen à frustração de perder um título para Fernando Alonso em 2005.
O seu desencanto era então evidente e em 2007 ganhava uma nova vida ao rumar a Maranello para substituir Michael Schumacher, que terminava a sua carreira em 2006 depois de um duelo intenso com o espanhol, que perdia devido a um motor partido no Grande Prémio do Japão.
O finlandês, como seria de esperar, não se mostraria atemorizado com o peso da histórica equipa italiana, evidenciando sempre o seu lado desapegado por tudo o que o rodeava, e no final da sua primeira temporada com a Ferrari conquistava o título que em cinco anos com a McLaren lhe escapara sempre.
A vida com a “Scuderia” era bem-sucedida, mas não vinha sem episódios do comportamento inebriado de Raikkonen, tendo numa das muitas semanas de testes que realizou em Monza aparecido completamente nu e embriagado num jardim da localidade.
O finlandês sempre mostrou que para ele ser piloto da Fórmula 1 era pilotar o carro o melhor que sabia e, fora isso, o seu apetite por festas e noitadas levava-o ao excesso.
No entanto, esse era e é um dos encantos do piloto de Espoo – um piloto que em pista era um dos melhores, mas que fora dele tinha a sua personalidade, fazendo que realmente lhe dava na gana.
Com o título no bolso, as exigências da Fórmula 1 começavam a ser em demasia para Raikkonen, continuando na categoria máxima do desporto automóvel até ao final de 2009.
No ano seguinte, o finlandês rumava ao Campeonato do Mundo de Ralis sem, porém, fechar a porta da Fórmula 1.
O finlandês, ao serviço da Citroên, mostrou rapidez, mas era demasiado propenso a acidentes e saídas de estrada, que o impediam de alcançar os resultados que pareciam estar ao alcance do seu potencial.
O problema do ‘Iceman’ era comum a todos os pilotos que passam da velocidade para os ralis – a necessidade em acreditar no que o navegador lhe transmitia ao invés de nos seus sentidos e memória, o que levava a pilotar demasiado devagar ou demasiado depressa.
Reza a lenda, confirmada ao AutoSport por técnicos da Citroên, sempre que Raikkonen testava, depois de decorar o troço era, normalmente, o piloto mais rápido do teste, mostrando que não era falta de talento a impedi-lo de singrar.
‘Férias’ nos ralis
Depois de alguns anos nos ralis, sem grandes resultados, o finlandês voltava à F1 com a Lotus, formação criada em cima da estrutura da Renault, mas sem o financiamento de outros tempos, não mostrando as equipas de topo interesse em dar guarida ao ‘Iceman’.
Mas este provou que, apesar da passagem dos anos, as qualidades do piloto de Espoo mantinham-se, conseguindo na sua primeira temporada com a formação de Enstone terminar o Campeonato de Pilotos no terceiro posto com uma vitória e 207 pontos, atrás de Sebastian Vettel, o Campeão, e Fernando Alonso.
No ano seguinte, com mais um triunfo no bolso, conquistou o quinto posto no campeonato, mas era evidente que a Lotus estava cada vez em maiores dificuldades financeiras, perdendo consistentemente competitividade e ficando claro que era uma equipa sem futuro imediato.
Extraordinariamente, Raikkonen acabaria por encontrar guarida na Ferrari onde fez equipa com Fernando Alonso em 2014, regressando cinco anos depois do seu abandono.
Para além de dizimado pelo espanhol – marcou 55 pontos, o que lhe garantiu o 12º lugar no final da temporada, ao passo que piloto de Oviedo somava 161 pontos e o figurava no sexto lugar – a competitividade da formação transalpina era muito baixa, o que ditou uma sangria de responsáveis no final da época, tendo Alonso saído também, no seu caso para a McLaren.
Raikkonen manteve-se na equipa para fazer equipa com Vettel, sendo esta a dupla da Scuderia até ao final de 2018, muito embora os últimos contratos do finlandês tenham sido anuais.
A coexistência dos dois foi fácil, uma vez que já eram amigos e a natureza apolítica de ambos não causou facções no seio da equipa, mas o finlandês não mostrou se capaz de acompanhar consistentemente o seu colega de equipa, e no final de 2018, foi substituído pela esperança da Ferrari Academy, Charles Leclerc.
Quando se pensava que estava finalmente no final da sua carreira na Fórmula 1, Raikkonen regressou às suas origens, à Sauber, que, entretanto, passou a ser conhecida como Alfa Romeo.
É evidente que o piloto que vemos atualmente aos comandos dos monolugares de Hinwill já não tem a velocidade e o ‘killer instinct’ do jovem do princípio do século, mas a experiência que acumulou ao longo de dezoito épocas na categoria máxima do desporto automóvel é valiosíssima para uma equipa como a Alfa Romeo que pretende fugir aos último lugares e dimensionar-se de modo a poder lutar pelas melhores posições do segundo pelotão.
Para além disso, Kimi Raikkonen é um dos pilotos mais mediáticos e aclamados da F1, sendo conhecido nos quatro cantos do mundo e essa notoriedade é importante para o construtor de Arese que pretende promover os seus produtos através do mundo dos Grandes Prémios.
Talvez por isso, o ‘Iceman’ viu o seu contrato renovado até 2021, depois de ter decidido continuar na F1, apesar de haver no mercado opções como Sérgio Pérez ou Nico Hulkenberg…
Não será fácil voltar às vitórias, senão impossível, mas a sua continuidade na F1, por si só, é uma prova do valor e da capacidade de Raikkonen se reinventar e mostrar a sua validade para as equipas, mantendo-se ‘vivo’ no pináculo do desporto automóvel – um feito.
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Um excelente piloto que foi subvelorizado na sua carreira