Colin McRae na Subaru: Os tempos do Grupo A
Poucos pilotos têm tanto impacto junto dos fãs dos ralis como o malogrado Colin McRae. Considerado como um dos mais rápidos e instintivos pilotos da história, o escocês só conseguiu vencer um título, mas conquistou uma legião de adepto. E, na sua longa carreira de piloto, é quase inevitável não o associar à Subaru, principalmente com a fabulosa decoração da tabaqueira 555.
As oito épocas de Colin McRae ao volante dos Subaru da Prodrive não o tornam no piloto que mais competiu pela marca, já que esta marca pertence a Petter Solberg, que correu pela equipa por mais meia época. Solberg venceu mais ralis do WRC pela Subaru, mas o consenso geral é que o piloto da Subaru que mais marcou pelo seu virtuosismo ao volante dos carros preparados pela Prodrive foi McRae. Foi McRae que deu à equipa a sua primeira vitória numa prova do Campeonato Mundial de Ralis, e foi McRae o primeiro piloto a vencer o Campeonato do Mundo para a Subaru. A história de McRae e da Prodrive é uma lenda com três lados, um piloto e o carro que conduziu e a equipa que desenvolveu e alinhou esses carros. O patrão da Prodrive era David Richards, e ColinMcRae nunca perdeu o respeito pela pessoa que fez mais que qualquer outra para o ajudar a desenvolver a sua carreira.
O telefonema que fez uma nascer uma estrela
Colin disse-me como a sua carreira foi virada do avesso. O momento particular que colocou Colin no caminho de uma das mais famosas carreiras no desporto foi um telefonema. “Foi esta chamada que o David Richards fez em 1991, convidando-me para pilotar os seus carros. Antes de ir para a Prodrive, era o meu pai (Jimmy) que mantinha a minha carreira. Costumava competir ao volante de um Sierra Cosworth, e estávamos em dificuldades. 1990 foi um ano de altos e baixos, que terminou com um sexto lugar no Rali RAC, e até o David ligar tudo indicava que 1991 fosse um ano semelhante. Finalmente, aquela chamada significou que a minha carreira iria ficar firmemente assente. Foi o ponto de viragem.” 1991 centrou-se na pilotagem dos Legacy no Campeonato Inglês, 1992 assistiu a uma mistura de ralis em Inglaterra e participações selecionadas no mundial, e Colin venceu o Open Britânico de Ralis. A ligação entre Colin e a Prodrive para o futuro na modalidade estava claramente em construção. 1993 foi uma época passada exclusivamente a aprender mais eventos do WRC, na esperança que a Subaru lançasse o novo modelo Impreza, desenvolvido para ser utilizado na competição mundial. Mas a Subaru não estava pronta para o fazer até estar totalmente convencida que a Prodrive conseguia ter uma equipa suficientemente boa para alinhar com ele. A situação era clara. A não ser que conseguissem vencer com o Legacy, não haveria Impreza no WRC, o que implicava que toda a atividade competitiva e muito do futuro comercial da Prodrive era incerto.
Entretanto, a carreira de Colin na Prodrive estava a desenvolver-se a um ritmo muito positivo. Começou no Rali Talkland, no último fim-de-semana de Fevereiro de 1991, que venceu, seguindo-se o Circuito da Irlanda, aonde também venceu. De facto, Colin venceu quatro eventos naquele ano, ao volante de um Legacy patrocinado pela Rothmans, conquistando o Campeonato Britânico graças à curiosa regra em que as suas quatro vitórias contaram mais que o total de pontos superior do seu rival Russell Brookes. Em 1992, McRae conquistou novamente o título com a pontuação máxima, graças às suas seis vitórias, e o seu primeiro pódio no WRC, com um segundo lugar no Rali da Suécia. Em 1993, os dias no Campeonato Inglês tinham ficado para trás, tendo Richard Burns ocupado o sue lugar. Tempos emocionantes seguiam-se, enquanto as tensões relativas ao Impreza se desenvolviam, já que Colin deu à Prodrive o impulso que precisava, uma vitória no WRC com o Legacy. Tal aconteceu na Nova Zelândia. Os dias do Impreza tinham finalmente chegado, e um capítulo muito especial para a Prodrive e para Colin havia começado.
Uma carreira em ascensão
Colin, ainda o piloto mais jovem da equipa, juntamente com os regulares Ari Vatanen e MarkkuAlén, não se estreou com o Impreza na Finlândia, mas a equipa proporcionou uma formação de três carros na sua segunda prova com o Impreza, o Rali Network Q RAC. Foi difícil para Colin definir a sua impressão inicial no Impreza porque a sua estreia ao volante do modelo ocorreu precisamente no Rali RAC, que naquele ano foi disputado em condições anormalmente frias. Mas ele afirmou “O carro parece muito mais pequeno e compacto relativamente ao Legacy. É um carro muito nervoso, mas permite-te fazer mais coisas. É mais fácil mudar de posição, podes ir mais a fundo nas curvas, e é muito mais rápido em estradas sinuosas. Em geral, o carro parece ser melhor, o motor é, de certeza.” Não havia dúvidas quanto à velocidade do Impreza. Na Finlândia, Vatanen tinha terminado em segundo e vencido 15 das 35 especiais, passando mesmo pela liderança. No Rali RAC, McRae liderou por três especiais até abandonar, fazendo o melhor tempo em 9 das 22 especiais que disputou.
O plano para 1994 era alinhar com dois pilotos regulares, que seriam Colin e Carlos Sainz, e disputar todos os eventos do WRC à exceção do Safari, enquanto Richard Burns disputaria o Campeonato Ásia-Pacífico. “O acordo era que Carlos e eu teríamos um tratamento igual, sem ordens especiais, exatamente 50/50.” A época começou de forma dramática, quando Colin derrapou para fora de estrada no Monte Carlo, sem danos, vítima dos lendários atiradores de neve. Perdeu 40 minutos, mas viria a terminar em décimo, o único ponto que ganharia na primeira metade da temporada. Portugal foi ainda pior, com uma desistência devido a um incêndio no motor. E, na Córsega, a sorte não foi muito melhor, o que foi, em si, uma história. Neste evento, a Subaru apresentou um diferencial central ativo, que melhorava significativamente a estabilidade do carro, o que permitiu a Sainz andar ao ritmo do Toyota do vencedor, Auriol. No entanto, McRae abandonou de novo, desta vez devido aos danos infligidos depois de correr com um pneu furado. Isto abriu o debate sobre os últimos desenvolvimentos a nível de pneus. Todas as equipas usavam então pneus com mousseanti-furos nos ralis de terra, mas a Subaru só os implementou nos terrenos de asfalto numa fase mais adiantada da época.
Colin liderou o Rali da Acrópole desde o início: “Estava tão quente. O tejadilho do nosso carro azul-escuro com o patrocínio da 555 estava tão quente que não se podia tocar nele de dentro do carro. Este ano a estrada é mais dura e, claramente, um teste de fiabilidade. O ano passado podia pilotar-se 100% ao ataquequase todo otempo, neste ano era necessário abrandar em certos locais. Partimos com o número sete e estávamos a pilotar a 90%, passando facilmente pelo terreno duro, não tivemos quaisquer problemas no Dia 1 – e estávamos no comando!” Depois, aconteceu. Quando os carros estavam no parque fechado a meio do dia em Makrikomi, os comissários foram ao carro para tirar amostras de gasolina. Infelizmente, esqueceram-se de segurar o capot devidamente com os parafusos, McRae não deu conta, e a caminho da assistência o capot abriu-se e esmagou o vidro da frente quando ele arrancou. Seguiu-se uma longa discussão, na qual a equipa e os organizadores debateram a forma mais justa para lidar com a situação, e naquela tarde os comissários anunciaram que Colin tinha-se comportado de forma antidesportiva e excluíram-no. Até então, Colin já tinha sido forçado a abrandar devido a problemas com um rolamento de roda e Sainz tinha tomado o comando com um segundo de vantagem. Sainz continuou para vencer o primeiro evento do WRC com o Impreza. Na Argentina, outro desastre, já que Colin bateu numa pedra e arrancou uma roda. Depois, veio a Nova Zelândia e Colin venceu o evento pela segunda vez, a sua primeira vitória com o Impreza. Foi uma ocasião muito emotiva. Seguiram-se vitórias na Austrália e no RAC. Três vitórias numa época e o quarto lugar no Campeonato do Mundo, além de ser o primeiro vencedor inglês do RAC em 18 anos. Após Sainz liderar nas duas primeiras provas-espetáculo, Colin tomou o comando e não mais o largou, a sua única desilusão o facto de o percurso não passar pela Escócia.
Finalmente campeão
Deram-se muitas mudanças para 1995. Os restritores de turbo foram reduzidos de 38mm de diâmetro para 34mm, reduzindo a potência, os pneus slicks foram banidos e o formato dos pisos teve de ser homologado. E foi também o ano das restritivas regras de assistência. Sainz permaneceu como o principal colega de equipa de Colin no WRC e venceu a prova de abertura, o Monte Carlo. Para Colin, a época começou a um nível baixo mas foi melhorando gradualmente, com um terceiro lugar em Portugal e uma nova vitória na Nova Zelândia, mas os problemas mecânicos foram correntes na primeira parte da temporada. Aprender a viver com as novas regras foi uma das maiores questões na primeira parte da época, e na Córsega surgiu ainda a tarefa extra de aprender a ajustar a pilotagem aos pneus com rasgos no asfalto. Juntamente com isto, os motores com a nova característica dos restritores mais pequenos resultavam numa diminuição da largura da banda de utilização da potência. As mudanças no calendário do WRC, devido ao sistema de rotação de eventos, implicou que houvessem dez semanas de intervalo até à prova seguinte na Nova Zelândia, e pelo meio deu-se uma importante mudança na sorte em vários campos. Sainz liderava confortavelmente o campeonato após a Córsega, a quarta ronda, mas logo após essa ronda lesionou-se enquanto praticava mountainbike, o que deu uma chance a Richard Burns para pilotar para a equipa no WRC. McRae obteve a sua terceira vitória na Nova Zelândia, atribuindo muito dela à sua experiência numa especial em particular. A estrada de Motu naqueles dias era a especial mais longa do campeonato, sinuosa e acidentada. Ele explicou: “Ela sobe e desce por uma série de colinas cobertas de arvoredo, e é uma estrada sinuosa e estreita, raramente utilizada para além das pessoas que trabalham na floresta. Neste ano, eles colocaram a especial nas duas direções. Pilotei muito como se fosse uma especial de asfalto, travando bastante cedo, curvando depois de tirar o pé do travão, usando o acelerador com suavidade, tentando não colocar o carro de lado em ocasião alguma. Quer-se sair da curva o mais rápido possível. Motu é tão lenta que não se sente o que se está a fazer. Nunca esperei ganhar 35 segundos a alguém apenas numa especial.” Colin era, agora, quarto classificado no campeonato.
O estranho formato do Campeonato Mundial de 1995 permitiu á Subaru disputar o Campeonato Ásia-Pacífico de forma tão séria como o WRC. A Nova Zelândia e a Austrália contavam para ambos os campeonatos, daí que a inscrição nestes eventos dava boas hipóteses de pontos para os dois campeonatos! Antes da Nova Zelândia, Colin já tinha estado na Indonésia, aonde venceu, de seguida foi à Malásia, despistando-se quando liderava. A desistência não surgiu pela saída de estrada em si, mas sim dos danos resultantes ao regressar a esta! A ronda seguinte era na Austrália, famosa pelos seus pisos com pequenas bolas de terra. “Antes daquela prova, era óbvio que tínhamos uma pequena hipótese de vencer o título do WRC, mas era difícil e, se a equipa não conseguisse o título de Construtores, o título de Pilotos era melhor do que nada!” Kenneth Eriksson venceu o rali e Colin terminou num seguro segundo posto, o que automaticamente o guindou ao segundo lugar no campeonato de pilotos, atrás do Toyota de JuhaKankkunen. Era o lugar mais alto que um inglês havia chegado na luta pelo título. Faltavam ainda duas rondas para o fim do WRC, Espanha e Inglaterra.
Para o Rali da Catalunha havia grandes novidades, já que Carlos estava de regresso, agora apenas cinco pontos atrás de Colin no campeonato, e mais determinado que nunca para compensar o tempo perdido devido à lesão e vencer um terceiro título mundial. E, sendo a Catalunha o evento no seu país natal, não havia mais importante prova para ele vencer. Seria um rali deveras dramático. Kankkunen, líder do campeonato, bateu enquanto liderava, daí que no final do segundo dia Sainz liderava e Colin era segundo. A equipa estava preocupada porque o Toyota de Auriol estava próximo, daí que os pilotos da Subaru não podiam abrandar o ritmo. Ordens de “Manter posições” já tinham sido dadas mais cedo na temporada pela Mitsubishi, e agora a Subaru tinha que fazer o mesmo em Espanha. A questão era como fazê-lo para proteger a dobradinha. Obviamente, tinham de ser dadas o mais tarde possível no último dia. McRae tomou o comando a quatro especiais do fim, aumentando as suspeitas de Sainz que McRae estaria secretamente combinado com a Subaru para desobedecer às ordens, aumentadas ainda amais quando a equipa ordenou a McRae que abrandasse no final de uma especial e este ignorou. Colin insistiu que Sainz receberia a vitória graças a uma penalização voluntária num controlo mais tarde. “Era uma forma muito mais segura, havia muito menos hipóteses de cometer um erro. Secretamente, também pensava que David Richards poderia mudar de ideias…” Sainz considerou a demora de McRae em penalizar insustentável. Estava obcecado pela desconfiança da equipa, e decidiu precisamente naquela altura que iria deixar a equipa no final da época, mesmo que fosse campeão, e mesmo não tendo planos imediatos para se juntar a outra formação.
A pontuação máxima de Sainz na Catalunha colocou-o a par de Colin na liderança do campeonato, pelo que o título de Pilotos iria ser vencido pelo que ficasse na frente no Rali RAC, e se nenhum deles conseguisse uma boa pontuação, então os pilotos da Toyota Kankkunen e até Auriol poderiam entrar na luta. No entanto, quinze dias antes da prova britânica a FIA descobriu irregularidades nos turbocompressores dos Toyota e excluiu-os do campeonato. Assim, os Toyota não alinharam no último evento. Nos Construtores, a batalha estava também muito cerrada, com a Mitsubishi a sair de Espanha com apenas dois pontos de avanço sobre a Subaru, e a Toyota não muito longe. Mas, em Inglaterra, os dois Mitsubishi abandonaram por acidente. McRae teve que parar para mudar um pneu furado (o pneu estava demasiado danificado para a mousse trabalhar) e perdeu dois minutos, o que só aumentou a sua motivação. Depois, no final do segundo dia, bateu numa pedra e danificou a suspensão. Sainz liderou grande parte do terceiro dia, mas na última especial McRae retomou o comando e manteve-o durante o quarto dia, vencendo a prova por 36 segundos. A Subaru acabou a vencer ambos os títulos.
As lutas com Mäkinen
1996 foi o último ano da rotatividade de eventos no WRC. Havia agora nove ralis no Campeonato do Mundo e, para preencher o intervalo de dois meses entre a Suécia e o Safari, McRae foi enviado para a Tailândia para a prova do Ásia-Pacífico, que venceu, antes de vencer para o WRC na Grécia, Itália e Espanha. Sainz tinha encontrado um abrigo na Ford, com quem venceu um único evento no WRC, na Indonésia, apenas depois de McRae ter liderado as primeiras especiais para, infelizmente, bater quando o intercomunicador falhou subitamente. Seguiu-se a Acrópole, aonde McRae teve a sua vingança, vencendo após liderar de início a fim. Na chegada ao final, o co-piloto de McRaeDerek Ringer disse aos organizadores que eles queriam uma cerimónia de vitória na rampa, na qual eles seguiriam na rampa um espectador escocês que chegou vestido com o traje tradicional e tocando uma gaita-de-foles. Os organizadores recusaram. Para Colin, foi o insulto final dos organizadores da Acrópole. Ringer argumentou que o rali estava oficialmente terminado, e se o tocador fosse recusado, Colin iria dar as chaves aos organizadores e eles poderiam passar o carro pela rampa eles mesmo. Os comissários recuaram e evitou-se a terceira guerra mundial. McRae desistiu em seguida na Argentina após outro incidente curioso. Quando saía apressadamente de um parque de assistência, dois espectadores passaram á frente do carro de McRae e foram atingidos pelo Subaru. Mesmo não tendo ficado feridos, os oficiais da FIA vingaram-se de McRae e multaram-no em 75.000 dólares. Depois, McRae despistou-se e abandonou. Na Finlândia McRae não teve melhor sorte, capotando violentamente e abandonando. McRae estava então a 53 pontos atrás do líder do campeonato, TommiMäkinen, mas a Subaru estava apenas a seis pontos da Mitsubishi nos Construtores. Após sobreviver à famosa passagem a vau na qual quase todos os carros se “afogaram”, McRae foi quarto na Austrália, mas depois veio o Sanremo, aonde McRae liderou quase todo o rali após uma renhida batalha com Sainz. O último evento dos Imprezas oficiais de Grupo A foi a Catalunha, lugar de mais uma tensa batalha para McRae. Desta vez, foi contra o seu novo colega de equipa, Piero Liatti, que ele eventualmente bateu por sete segundos, tendo Liatti liderado metade da prova. O Campeonato traria de novo a felicidade aos homens da Subaru, já que conquistou o segundo de três títulos consecutivos, mas para McRae a era do Grupo A tinha acabado a 31 pontos de TommiMäkinen. No ano seguinte, os World Rally Cars chegariam para tomar conta da modalidade.
[rl_gallery id=”482525″]