Fórmula 1: Mercedes é demasiado boa e por isso… perdeu?
A nobreza da competição é ter espírito de vitória, lutar até aos limites das forças pelo sucesso e aceitar a derrota. Quando ela é imposta por um adversário. Mas, o que sentir quando somos derrotados… por nós mesmos?
Por incrível que possa parecer, a Mercedes foi derrotada… pelo W11! Pelo W11 e pelas condições muito particulares desta temporada de 2020 que faz corridas duplas em vários circuitos em alturas nada apropriadas. Mas a Mercedes conseguiu um cocktail ainda mais complicado para acabar batida… por ela mesma! Mas… como?!
A Pirelli trouxe para esta segunda corrida em Silverstone pneus um degrau mais macio que no fim de semana anterior, chutando para canto os problemas que aconteceram com os carros da Mercedes, Ferrari e McLaren. Depois, para contrariar a tendência para se destruírem devido às exigentes forças aplicadas em curva nas paredes laterais dos pneus, a Pirelli decidiu aumentar, de forma evidente, a pressão dos pneus. Finalmente, o calor exagerado que se fez sentir nas ilhas britânicas, juntou-se a um carro afinado na perfeição e mais veloz que a concorrência, redundaram… numa derrota!
A Mercedes estava apostada em tentar um recorde inédito nos 70 anos de competição da Fórmula 1, ou seja, vencer todas as corridas de uma temporada, o que após as quatro primeiras corridas de 2020 e perante a vantagem oferecida pelo dispositivo inventado pela casa alemã, perfilava-se como possível. E olhando às dificuldades da Ferrari, mais estavam convencidos os analistas que a Mercedes iria arrasar a competição. Afinal… o carro mais rápido na segunda passagem por Silverstone foi o… Red Bull RB16, mas com Max Verstappen ao volante.
O quase dramático apelo de Lewis Hamilton para mudar de pneus na parte final da corrida e as palavras de Toto Wolff no final da prova, possam estabelecer algumas pistas. O austríaco anuiu que “a Red Bull teve o carro mais veloz esta tarde” e tentou tatear na busca de uma justificação, soltando uma teoria: “talvez tenhamos estado demasiado focados na defesa dos pneus dianteiros e carregamos em demasia o eixo traseiro.”
Estas palavras de Toto Wolff encerram resposta para algumas perguntas, mas muitas outras ficaram sem resposta. Por exemplo, porque é que a Mercedes não seguiu a Red Bull e fez a qualificação com pneus duros? Não estava á vontade ou achou que a equipa de Christian Horner estava a ser conservadora? Não terá a afinação do W11 sido demasiado agressiva para temperaturas pouco sentidas em Silverstone e para os pneus macios da Pirelli?
Não posso aceitar que a Mercedes reduza tudo a um simples “eles tinham o melhor carro” e que “exageramos na proteção dos pneus dianteiros.” E Valtteri Bottas também não e por isso deixou uma critica velada á equipa, suave, é verdade (até porque acabou de renovar contrato), mas é uma critica. “Quando no último turno em pista tentei atacar nas curvas rápidas, os pneus ajoelharam imediatamente. É evidente que o último turno foi demasiado longo para mim.” Sibilina, mas educadamente, o finlandês colocou o dedo na ferida.
E se quisermos olhar para o que foram as primeiras voltas da corrida, percebe-se que não fazer a qualificação com os pneus duros foi um erro. Depois de terem beneficiado da performance dos pneus médios face aos duros de Verstappen, Hamilton e Bottas começaram a ver o Red Bull cada vez mais perto e ambos não passaram pela “vergonha” da ultrapassagem em pista, porque após uma dúzia de voltas a Mercedes chamou os dois pilotos às boxes para os libertarem dos macios em favor dos pneus duros da Pirelli.
Sentado num Red Bull equipado com os pneus certos, Max Verstappen via os pneus traseiros dos Mercedes destruídos e Lewis Hamilton verbalizava as dificuldades criadas pela escolha da equipa: “apenas três voltas depois do arranque, os pneus começaram a perder eficácia, levantei o pé, mas isso não ajudou nada…”
Verstappen perdeu, momentaneamente, a liderança, mas recuperou-a rapidamente, à custa de Bottas que orientou a sua corrida para manter-se na frente de Hamilton. Mas como a Mercedes percebeu que podia manter mais tempo em pista o campeão do mundo (10 voltas), o finlandês viu-se em inferioridade face a Hamilton e acabou, mesmo, por perder a posição. E se Bottas não estava satisfeito, os homens da estratégia decidiram esfregar-lhe com a estatística na face: os pneus traseiros do W11 de Bottas estavam com mais vibrações que os do W11 de Hamilton e o finlandês fez dois turnos com pneus duros, um com 19 voltas, o segundo com 20. Portanto…
O que é mais interessante é que a Mercedes estava, mesmo, convencida, que deveria fazer a corrida toda com uma única paragem! Não fossem as vibrações no eixo traseiro colocarem em causa a mecânica do W11, e o facto mais que evidente que Verstappen era mais rápido que Hamilton, o campeão em título iria viver um pesadelo maior que o vivido no fim de semana anterior!
Enfim, a Mercedes tem o melhor carro e tinha um chassis demasiado veloz em Silverstone, afinado para proteger o eixo dianteiro e com mais carga aerodinâmica, o que colocou em crise os pneus da Pirelli. Os quatro graus a mais de temperatura no asfalto, o aumento claro da pressão obrigado pela Pirelli (dois PSI à frente e um PSI atrás), a maior carga aerodinâmica na traseira para defender os pneus dianteiros, e um motor que é, claramente, mais poderoso que todos os outros, combinaram-se para uma derrota da Mercedes. Se calhar, Toto Wolff tinha razão, os Red Bull estavam mais velozes, curiosamente, com todos os tipos de mistura disponíveis em Silverstone, pois os pneus traseiros que saíram dos carros negros da Mercedes estavam absolutamente destruídos. Já os Pirelli saídos dos Red Bull estavam bem diferentes… para melhor!
À quinta corrida do campeonato, a Mercedes foi derrotada… por ela mesma! E os constantes alertas de Toto Wolff, ridicularizados por quase todos, sobre as brechas na couraça de superioridade da Mercedes, foram em Silverstone justificados. A Red Bull parece ter resolvido os seus problemas e o campeonato vai para Espanha onde a Pirelli vai voltar a defender-se contra os furos, aumentando ainda mais a pressão dos pneus. Aliás, isso vai acontecer em Spa, Mugello e Portimão, tudo circuitos com curvas rápidas e de apoio. Ou seja, já esta semana, as condições vão ser muito semelhantes, mas a Mercedes espera que não seja tão dramático como em Silverstone. Porque se assim for, a Red Bull vai ser um osso duro de roer… em Espanha e nas provas seguintes!