‘Estórias’ do Rali de Portugal: Um troço que valia uma lagosta
Vamos falar de um navegador que um dos últimos pilotos que navegou foi… Ari Vatanen!
Este ano já o vimos no Rali das Camélias e ao lado de Carlos Bica no RallySpirit. Falamos de Fernando Prata, Fanã, para os amigos, que no RallySpirit de 2017 navegou o finlandês isto depois duma longa carreira ao lado de nomes muito ilustres.
Pedimos-lhe que nos contasse uma ‘estória’ e como se calcula, a dificuldade esteve na escolha: “Não é fácil pois desde 1978, fiz uns 23 ou 24 ralis e tenho a certeza de que as melhores histórias se passaram à margem da prova, onde o que mais fazemos é passar o tempo a concentramo-nos nas notas e para que tudo corra bem. Recordo-me de duas histórias, uma, foi logo em 1978, na primeira vez que fiz a prova. Essa edição foi muito dura, com mau tempo, muita chuva, nevoeiro e vento. Era uma prova em linha e, só na primeira etapa, desistiram uns 100 carros, a maior parte por excesso de penalização – entre eles, nós, tivemos que entregar a carta [de controlo] no final da Freita, depois de termos vindo desde a Freita a correr atrás das penalizações.
Mas lembro-me de que, precisamente na Freita, fizemos uma aposta, com o Fifé [Filipe Fernandes, navegador] e o seu piloto: quem fosse mais rápido naquele troço, ganhava uma lagosta! O troço começava em Manhouce, junto à casa da [cantora] Isabel Silvestre e a certa altura, disse ao Albino que o melhor era desistirmos, pois estávamos já com muito atraso e não valia a pena. Ganancioso, ele recusou: ‘Não, não! Este troço vale uma lagosta!’ O que não sabíamos era que o Fifé estava com o mesmo problema e, no final, com a azáfama de fazer as contas, ninguém mais se lembrou da lagosta. Isto tudo, lá pelas 5h00 da manhã! Acabámos por abandonar, nós e o Fifé, mesmo que ele a inventar e a dizer que não, não íamos abandonar, pois eram já tantos os abandonos que, com certeza, a organização iria fazer repescagens!
Então, uma semana depois, recebi uma chamada do Fifé: ‘Olha lá, estás a dever-me uma lagosta!’ Nem queria acreditar! Ele não só não tinha esquecido a aposta, como se deu ao trabalho de ir ao ‘rali’ [a sede da organização da prova, na Avenida da República], segundo ele, ver quem tinha feito melhor tempo naquele troço! Claro que, ainda hoje, nenhum de nós comeu essa lagosta!
Outra história passou-se em 1998, nos tempos do [Renault] Mégane [Maxi]. Estávamos parados na fila para Lousada, à espera que chegasse a nossa vez. Aquilo era zona de parque fechado. Então, aproximou-se de nós o Pedro [Matos Chaves, colega de equipa na Renault], com uma coisa na mão e a perguntar-me para que era aquilo. ‘Aquilo’ era um martelo, para quebrar os vidros em caso de ficar encarcerado e tinha uma lâmina escondida, que saía lá de dentro e que era capaz de cortar tudo, penso que até ferro! Servia para, num caso grave, podermos cortar o quer fosse preciso, para sairmos do carro, incluindo os cintos de segurança.
Estranhei ele não conhecer aquilo: ‘Não sabes o que é? Lá na América existia de certeza isto, com todas aquelas manias da segurança que lá têm!’ Ele garantiu-me outra vez que não, nunca tinha visto aquilo. Então peguei naquilo e fui à porta do lado do Sérgio [Paiva, navegador de Chaves] e agarrei nos cintos de segurança, segurando-os pela bola onde se unem os cintos. Encostei a lâmina àquilo, devo ter estremecido ou uma coisa assim, porque aquilo fez ‘Zúúút!’ e fiquei com a bola nas mãos. De boca aberta, ficamos todos a olhar. E o Pedro só balbuciava: ‘E agora, o que vamos fazer?’ Sem perder a calma, respondi: ‘Não há crise! A gente cola!’ Recordo que estávamos em zona de parque fechado, a minutos de largarmos para o troço! Então, liguei para o Moisés [Martins, diretor desportivo da Renault], pois sabia que ele tinha alguns cintos suplentes na carrinha e, sem lhe explicar o que tinha sucedido, pedi-lhe para me enviar um cinto novo, do lado do pendura, porque havia um problema com o nosso. Ele não queria, porque era parque fechado e não podíamos mexer nos carros, mas lá o convenci a mandar um mecânico francês com o cinto no bolso. O mecânico apareceu, passou por mim sem me dizer nada e deixou cair o cinto no chão. Agarrei-o e lá consegui salvar aquilo, depois de ter feitio a borrada toda!”
FERNANDO PRATA (9 de dezembro de 1951)
1978 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./Albino Abrantes) – Ford Escort 1300 – Abandono (excesso de penalização)
1982 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./Carlos Bica) – Ford Escort RS 1800 Mk II – Abandono (embraiagem)
1983 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./Carlos Bica) – Ford Escort RS 1800 Mk II – 11º (2º Português/2º Gr.4/3)
1986 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./António Segurado) – Renault 11 Turbo – 9º (5º Português/1ª Gr. N)
1987 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./Carlos Bica) – Lancia Delta HF 4WD – Abandono (suspensão)
1988 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./Carlos Bica) – Lancia Delta HF 4WD – 9º (2º Português)
1989 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./Carlos Bica) – Lancia Delta HF 4WD – 6º (1º Português)
1990 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./Carlos Bica) – Lancia Delta Integrale 16V – 5º (1º Português)
1991 – Rallye de Portugal – Vinho do Porto (c./Carlos Bica) – Lancia Delta Integrale 16V – 10º (1º Português)
1995 – TAP Rallye de Portugal (c./Pedro Azeredo) – Renault Clio Maxi – Abandono (caixa de velocidades)
1996 – TAP Rallye de Portugal (c./Pedro Azeredo) – Renault Clio Maxi – 8º (3º Português/3º Classe A7)
1997 – TAP Rallye de Portugal (c./Pedro Azeredo) – Renault Mégane Maxi – Abandono (motor)
1998 – TAP Rallye de Portugal (c./Pedro Azeredo) – Renault Mégane Maxi – Abandono (motor)
1999 – TAP Rallye de Portugal (c./Luís Robalo) – Nissan Micra – 51º (2º Classe A5)
2000 – TAP Rallye de Portugal (c./Rui Madeira) – SEAT Cordoba WRC Evo 2 – 14º (2º Português)
2001 – TAP Rallye de Portugal (c./Rui Madeira) – Ford Focus RS WRC’01 – 11º (3º Português)
2002 – TMN Rallye de Portugal (c./Rui Madeira) – Ford Focus RS WRC’01 – 4º (3º Português)
2004 – TMN Rallye de Portugal (c.(José Pedro Fontes) – Mitsubishi Lancer Evo VII – Abandono (tubo de óleo)
2005 – PT Rallye de Portugal (c./José Pedro Fontes) – Renault Clio S1600 – 7º (2º Classe A6)
2006 – PT Rallye de Portugal (c./José Pedro Fontes) – Renault Clio S1600 – Abandono
2007 – Vodafone Rallye de Portugal (c./José Pedro Fontes) – FIAT Abarth Grande Punto S2000 – Abandono