A história do Mundial de Ralis não se faz somente com os vencedores, os mais rápidos ou os mais carismáticos pilotos, mas também por atitudes que marcam e definem o caráter de algumas pessoas. Esta ‘estória’ passa-se no Rali de Portugal 1973, primeiro ano do Mundial de Ralis, que na estatística ficou registada como a primeira vitória de Jean-Luc Therier (Alpine-Renault A110 1800) ou pelo pódio de Francisco Romãozinho (Citroën DS21), piloto que ofereceu à marca francesa o primeiro pódio da sua história, 30 anos antes da era-Loeb.
Como já vinha sendo hábito, a prova portuguesa era longa, difícil, com troços e ligações com médias ‘impossíveis’ de cumprir o que obrigava a notas de andamento para cerca de 2000 Km de percurso. Nada disso incomodava muito os protagonistas da altura, pilotos como Jean-Pierre Nicolas (Alpine-Renault A110 1800), Alcide Paganelli (Fiat 124 Abarth Spider), Bernard Darniche (Alpine-Renault A110 1800), Bjorn Waldegard (Fiat 124 Abarth Spider), Raffaele Pinto (Fiat 124 Abarth Spider) e Ove Andersson (Toyota Celica), entre outros.
A fazer ecoar o motor do seu Fiat 124 Abarth estava ‘Lele’ Pinto, acompanhado por Arnaldo Bernacchini, que comandava a coreografia do seu carro através das sinuosas serras portuguesas, ele que vinha duma temporada fantástica com a Fiat, onde conquistou o título europeu e a Mitropa Cup. Numa noite fria de março, sob o céu estrelado, Bernacchini ditava as notas e o ritmo ao seu piloto, e olhava de vez em quando para a estrada, uma vez que naquele momento estavam numa das ligações ‘impossíveis’ atrás referidas: “Média esquerda abre muito para trás e fecha com esquerda média” ao passarem por uma ponte, Bernacchini gritou “volta… VOLTA”, gritou. Tinha visto fortes marcas de travagem, e depois um muro destruído. Foram ver e 20 metros mais abaixo na ravina estava o Toyota Celica de Ove Andersson, que, ao vislumbrar alguém gritou “Socorro, socorro!”. O sueco estava fora do carro mas não fora capaz de libertar o seu co-piloto, Jean Todt (ele mesmo, o Presidente da FIA) que ficara com o braço preso entre o assento e a alavanca de mudanças, num carro que poderia arder a qualquer momento. Mas ‘Lele’ Pinto não era apenas rápido ao volante, era também muito forte e conseguiu libertar Todt.
Com o tempo perdido, chegaram a Vila Real a penalizar cinco minutos, caindo da liderança para o nono lugar. Iriam, porque o ‘Grande Chefe’ César Torres, assim que ouviu esta história de coragem, não perdeu tempo e anulou o controlo: “Anulado? Mas você não pode, isto é um Campeonato do Mundo!” disse Pinto, que depressa ouviu: “Eu é que mando aqui”, respondeu Torres. E assim foi. Ironicamente, ‘Lele’ Pinto ‘ficou’ pouco depois na Serra do Marão, com uma suspensão do 124 danificada mas isso já nada importava. O que importava, sim, era o coração de dois grandes Homens!