O Super Sonho Ecológico
O conceito da “Garagem 56” das 24 Horas de Le Mans nasceu com o intuito de atrair “carros inovadores” dentro do espírito da prova. Foram mais as desilusões que as alegrias que a “Garagem 56” trouxe até hoje ao Automobile Club l’Ouest (ACO), mas não foi por isso que o interesse na mesma diminuiu. O AutoSport falou com o responsável do mais recente projecto que espera escrever história no centenário da mais famosa das corridas de resistência.
A Vision Automobiles Paris, uma “start-up” francesa, está a trabalhar para participar dentro de três anos nas 24 Horas de Le Mans com um hipercarro que será alimentado com biometano como combustível. Este protótipo que terá uma versão de estrada tem um design agressivo e virá equipado com um bloco V6 twin-turbo ou V8 e, com um motor eléctrico acoplado, será capaz de produzir 1000cv. Com este projecto, Thomas Castex, Florian Gravouil e Martin Chatelier, os três fundadores da Vision Automobiles Paris, têm o objectivo de demonstrar as capacidades da engenharia francesa e deste biocombustível resultante da decomposição de materiais orgânicos.
Numa era em que os carros eléctricos estão a ganhar uma preponderância desportiva nunca antes imaginada, a Vision Automobiles Paris enveredou por outro outro caminho. “Escolhemos o biometano porque é a tecnologia que melhor se adapta às nossas expectativas e à nossa visão. A desvantagem dos carros eléctricos é o seu peso, devido às suas baterias, que os impedem de atingir performances razoáveis. Além disso, a sua real pegada ambiental é questionável”, explicou ao AutoSport, o co-fundador e CEO, Thomas Castex.
Em cima da mesa chegou a estar a possibilidade de apostar no hidrogénio, até porque o ACO tem nos seus planos a introdução de uma classe para este tipo de viaturas em 2024, no entanto, os engenheiros franceses não acreditam que esta tecnologia esteja tão cedo disponível para a competição ao mais alto nível. “Nós pensámos sobre utilizarmos o hidrogénio”, reconheceu Castex que admite que “esta tecnologia vem com as mesmas limitações dos carros eléctricos. Esta tecnologia acarreta demasiado peso para se conseguir boas performances em competição. Junto a isto, a potência e a eficiência são extremamente baixas, para não mencionar o excessivo preço da tecnologia. Acreditamos que o hidrogénio tem um futuro certo, mas ainda não estará pronto por agora. Por último, mas não menos importante, o biometano é uma tecnologia que está em linha com a nossa visão e filosofia, e que nos permitirá manter um inquestionável e importante elemento: o fantástico som de um motor a combustão.”
Longo caminho
A ideia da Vision Automobiles Paris é criar um super-carro de estrada capaz de rivalizar com o novo Aston Martin Valkyrie ou com qualquer Pagani e para se destacar destes, e de outros carros da mesma gama, uma presença em La Sarthe aumentaria o pedigree. Porém, um projecto desta natureza requer uma forte componente financeira, orçada para este projecto em 6 milhões de euros, um pouco mais que o dobro para materializar a versão de estrada, fundos a obter através investidores e doadores. Assim que os fundos necessários sejam reunidos, o carro será levado para a fase de desenvolvimento e testes, para ser apresentado em Le Mans no próximo ano.
“Claro que um projecto desta ordem representa muitos desafios. O mais bonito de todos que teremos de enfrentar é colocar um sonho e uma paixão no centro de tudo. Queremos mostrar que tudo é possível para aqueles que acreditam nos seus sonhos”, afirma Castex que tem a noção que “na parte técnica, um dos maiores desafios consiste em controlar a injecção do líquido de biometano, mas nós estamos extremamente confiantes com a evolução das possibilidades.”
Apresentar o projecto e ter o Vision 1789 pronto não chegará para convencer o ACO a confiar na visão da Vision Automobiles Paris para a edição do centenário. Por isso, o jovem grupo gaulês reuniu-se de parceiros fortes: a Welter será responsável por integrar o sistema de combustível biometano, a Faster Racing irá construir o chassis do protótipo, a Michelin irá fornecer os pneus específicos, Thibault Dejardin (ex-WR) será o engenheiro chefe e Paul-Loup Chatin e Matthieu Vaxiviere serão os pilotos de desenvolvimento.
“Algumas discussões já estão a decorrer com a gestão de topo do ACO”, confirma Cartex que trabalha neste projecto há já quatro anos. “Vamos prosseguindo com o projecto mantendo-os actualizados e estamos confiantes do que irá resultar destas discussões que teremos. No passado, o ACO mostrou um enorme interesse na tecnologia de biometano. Basta recordar que Welter Recherche Technologie Industrie – Welter Racing na altura – teve um acordo com o ACO para entrar na Garagem 56 com esta tecnologia em 2017”.
Para já, digital…
Neste momento são dezasseis pessoas, com uma média de idades a rondar os 25 anos, a trabalhar nesta iniciativa. Para além do sonho arrojado, da ambição desportiva, há também uma enorme vontade de afirmação neste projecto. “A Vision Automobiles Paris trará um progresso real e uma incrível montra para esta tecnologia a nível mundial, porque vamos mais além do que participar nas 24 Horas de Le Mans, mas vamos mostrar que a tecnologia de biometano será relevante. Não só para a competição, mas também para a utilização rodoviária diária. As nossas conversações com o ACO têm a finalidade de provar isso, convencê-los a permitirem novamente esta tecnologia e colocá-la e ao nosso projecto no lugar que merecem”, conclui Castex.
Por agora, o Vision 1789 existe apenas em formato digital e está ainda a milhas de distância de se tornar palpável. Contudo, em épocas de crise profunda, “le patriotisme français” tem tendência a exaltar-se e não faltará na República Francesa quem queira que este sonho se torne uma realidade.