Trojan T103/Ford Cosworth V8: A precursora da Ralt
Na História da F1 existiram muitos monolugares estranhos, para não dizer outra coisa. Um deles, talvez um dos mais (des)conhecidos, foi o Trojan. Evolução simples de um F5000, destacou-se por ter sido uma espécie de trampolim que Ron Tauranac usou para construir a marca com que encontrou lugar no pódio do automobilismo mundial: a Ralt.
O que também quase ninguém sabe é que o Trojan de F1 tem o nome (e, quiçá, alguns genes criativos) de um fabricante de automóveis britânico, precisamente chamado Trojan. Empresa, que deixou de fazer automóveis ainda nos anos 60, só foi, curiosamente, desmantelada legalmente em Março deste ano, 2013! Até aí, esteve décadas sem fazer nada, com raras exceções: carros-bolha (ou micro-carros) nos anos 60 e trotinetes, mais recentemente, foram os últimos esquiços tornados realidade e que, e especial no caso das trotinetes, deu algum oxigénio financeiro à Trojan. Sem, contudo, evitar o seu fim, após exatamente um século de uma atribulada vida.
No início era um F5000
Mas voltemos ao Trojan de F1. Nos primeiros anos da década de 70, era fácil alguém desenhar um monolugar e pô-lo a correr, de forma independente, n F1. Isso acontecia especialmente na Itália e na Grã-Bretanha e os chefes dessas equipas “piratas” acabaram por formar, sem o saberem, o “Piranha Club”, na década de 90. Hoje, isso seria impensável e impossível de realizar. A história da equipa Trojan, que tomou parte em meia dúzia de Grandes Prémios de F1 em 1974, faz parte desse clube.
Quase sem dinheiro, o dono de uma pequena empresa de Croydon, a sueste de Londres, chamado Peter Agg, decidiu aventurar-se n automobilismo. Primeiro, no início da década, patrocinou um McLaren M8E privado nas corridas de Can-am, na América do Norte. Ao mesmo tempo, gizava planos para construir versões “pessoais” para a F5000, dos McLaren M19 e M21 de F2. Mas, então, a McLaren decidiu sair da Can-am e Agg teve que desistir do plano. Mas não totalmente: desta vez, decidiu continuar sozinho, sem o apoio de nenhuma marca.
Contratou Ron Tauranac, que já tinha uma grande experiência n F1 mas que estava desempregado depois de Bernie Ecclestone ficar com a Brabham – equipa onde tinha feito carros campeões do Mundo, em 1996 e 1967: o “T” da designação “BT” dos Brabham era precisamente a inicial do seu nome. Estas foram as credenciais que convenceram Peter Agg a pedir-lhe que usasse um McLaren M21 como base para o seu próprio carro de F5000: o Trojan T101.
O toque de Midas de Tauranac tornou-se evidente: em 1973, Jody Scheckter ganhou o título de campeão norte-americano de F5000 e, nas séries europeias, Bob Evans e Keith Holland utilizaram-no com bons resultados. Entusiasmado, Tauranac criou então o T102, um monolugar de raiz e que acabou por ser a base para o T103, com que a Trojan fez o seu “assalto” à F1.
Mas, já sem dinheiro, Peter Agg teve que controlar as suas ambições e limitar-se a fazer um F1 convencional e de baixos custos. O Trojan T103 fez grande parte da temporada de 1974, com Tim Schenken ao volante, sem grandes resultados. mesmo assim, quando a cruzada chegou ao fim, o balanço foi positivo pois, mesmo sem dinheiro disponível, Tauranac conseguiu uma evolução constante do T103, ao ponto de, a certa altura, começar a acreditar que era possível lutar pelos lugares dentro do “top ten” com regularidade. Afinal, tudo acabou por não passar de um sonho.
Quem é Ron Tauranac
Ronald Sidney Tauranac é um engenheiro australiano que, em 1962, ajudou Jack Brabham a fundar a equipa Brabham de F1. Acompanhou o seu amigo até este deixar a competição, em 1970, como piloto e, depois de um breve espaço de tempo em que chefiou a equipa, vendeu-a a um tal Bernie Ecclestone, no ano a seguir. Foi nos anos a seguir que Tauranac começou a desenhar monolugares de F1. Começou pelo Politoys, em 1973, para Frank Williams e, em 1974, fez o Trojan, desenvolvendo-o a partir de uma versão já existente de um F5000. Após um breve retiro na sua Austrália natal, voltou à Europa e foi então que fundou a Ralt, indo buscar o nome do carro artesanal com que ele e o seu irmão Austin corram durante alguns anos, na década de 50, ganhando mesmo um campeonato estadual de Rampas, em 1954, com um Ralt 500. O Ralt “moderno” foi um sucesso desde o seu primeiro exemplar, o RT1, que correu em F3, F2 e Fórmula Atlantic e vencendo dois campeonatos da Europa de F3, em 1975 com Larry Perkins e em 1978, com Jan Lammers. Foi neste ano que Tauranac desenhou o seu monolugar de F1 mais conhecido, o Theodore e que, tal como os anteriores chassis por si feitos, foi um fiasco. Desiludido, concentrou-se na Ralt e todos os chassis que fez a seguir venceram títulos, desde a F3 à F2. Em 1988, vendeu o negócio à March Engineering e dedicou-se a trabalhos mais suaves, como gerir escolas de pilotagem ou ser consultor da Arrows na F1. Hoje com 88 anos, está retirado na Austrália, embora se mantenha ligado ao automobilismo, como consultor de “design” para a Fórmula SAE Australasia.
GP a GP: Sempre a evoluir
O Trojan T103 era, basicamente, um T102 com pneus Firestone e um motor Ford Cosworth V8 DFV, associado a uma caixa de velocidades Hewland DG300. A geometria da sua suspensão era perfeitamente ortodoxa e tinha radiadores gémeos embutidos na secção do “nariz”.
Olhando para ele nas boxes do Autódromo Internacional do Algarve, onde (não) participou na corrida reservada aos Classic GP, o seu aspeto rudimentar e quase artesanal não deixa de impressionar. Como era possível um piloto arriscar-se a correr a mais de 320 km/h, numa “coisa” como aquela, que mais parecia um “puzzle” à escala real, montado, com “legos” em metal e plástico, soldados por má cola “UHU” por uma criança endiabrada? Mas houve quem o fizesse – e com alguns resultados lisonjeiros: Tim Schenken.
Estreia promissora
Para fazer ver os seus créditos, Tauranac inscreveu o T103 sob o nome da sua (nova) equipa, “Ron Tauranac Racing”. Para o conduzir, contratou o seu conterrâneo Tim Schenken, então com 30 anos e que trazia boas credenciais, incluindo um terceiro lugar no GP da Áustria, num Brabham, em 1971.
Os patrocinadores eram escassos – e pobres, dando bem a ideia de como havia falta de dinheiro naquela equipa. Assim, pela carroçaria do Tojan T103 dispersavam-se os nomes da sucursal britânica da Suzuki (!) e da Homelite (fabricante de motosserras, cortadores de relva, aparelhos de poda de árvores, etc.), que eram os patrocinadores principais, bem como da Ferodo (travões), Champion (velas de ignição) e Duckhams (lubrificantes para automóveis).
O Trojan T103 apareceu pela primeira vez na quarta prova do Mundial de 1974, o GP de Espanha, em Jarama. Schenken conseguiu qualificar-se em 26º e último, batendo o Lola de Guy Edwards por 0,07s. Na corrida, fez um pião quase no final, mas conseguiu classificar-se, em 14º, mas a oito voltas. Além disso, assinou a 16ª melhor volta da corrida.
No GP da Bélgica, qualificou-se em 23º, na frente de pilotos como Jochen Mass, Graham Hill e Vittorio Brambilla e mesmo atrás dos Brabahm oficiais de Rikky von Opel e Carlos Reutemann. Terminou em 10º lugar, a duas voltas do vencedor, Emerson Fittipaldi – mas 7s na frente de John Watson, num Brabham privado.
O GP do Mónaco durou apenas ate à carambola na primeira volta, que afastou sete carros. Estava em 23º numa gelha de 27 pilotos e os danos no Trojan T103 acabaram por o impedir de participar no GP seguinte, na Suécia, onde ainda tentou a sorte, mas acabou por ser rejeitado nas verificações.
Seguiu-se o GP da Holanda, em Zandvoort, mas Schenken falhou a qualificação por 0,31s. Então, Tauranac decidiu fazer algumas alterações, faltando por isso ao GP de França e aparecendo somente em Brands Hatch, onde iria ter lugar GP da Grã-Bretanha. O T103 trazia uma nova asa da frente, bem como o “capot” do motor modificado. Numa sessão de qualificação bastante movimentada, Schenken conseguiu o 25º e último lugar da grelha. Na corrida, problemas d suspensão levaram-no ao abandono, quando era apenas 23º. Em Nürburgring, pela segunda vez, Schenken ficou de fora da grelha de partida, ao fazer apenas o 28º tempo nos treinos.
No GP da Áustria, Tim Schenken qualificou-se em 19º e terminou outra vez em 10º lugar, a quatro voltas d vencedor Depois, em Monza, Schenken provou que o resultado do Österreischring não tinha sido obra do acaso: qualificou-se em 20º lugar e, quando desistiu com problemas na caixa de velocidades estava já em 12º lugar. Infelizmente, esta foi a sua última aparição num GP: sem mais dinheiro, Ron Tauranac teve que colocar um ponto final na sua aventura e o Trojan T103 nunca mais foi visto num GP de F1. Tinha, porém, deixado bem claro que, com apoios sérios e outros meios, o T103 era uma boa base para ser, no futuro, um sério candidato aos lugares ente os dez primeiros.
Trojan (1914/1965)
A Trojan foi uma marca de automóveis britânica que construiu alguns carros, entre 1914 e 1965. A empresa foi fundada por Leslie Hayward Hounsfeld, em Clapham, e a ideia era colocar no mercado alguns dos carros que ele vinha desenhando desde 1910. O primeiro protótipo ficou pronto em 1913 e era um carro simples e económico, com um motor a dois tempos de quatro cilindros em pares e cada par ligado a uma câmara de combustão separada. Antes da produção arrancar, começou a I Grande Guerra e, até 1918, a Trojan fabricou ferramentas diversas e manómetros de medição. Apenas em 1920 a primeira série de seis carros ficou pronta na fábrica, que era em Croydon, sendo apresentada no Salão Automóvel de Londres dois anos mais tarde. Para a produção arrancar, fez-se um acordo com a Leyland, que se manteve até 1928, quando esta quis o espaço para fabricar camiões. Nesses primeiros sete anos, construíram-se 11 mil automóveis e 6.700 camionetas.
O primeiro carro da Trojan chamava-se simplesmente Utility Car e começou a ser vendido por 230 libras, antes do preço ser reduzido para 125, o mesmo de um Ford Model T. O Trojan Utility Car tinha um motor de 1.527cc, com transmissão sob os bancos e a alavanca já colocada do lado direito do condutor. O carro tinha uma autonomia de 320 km, o que era notável para a época. Existia também um modelo ainda mais económico com um motor mais pequeno, de 1.488 cc que, mesmo assim, atingia os 61 km/h.
O final da parceira com a Leyland obrigou Leslie Hounsfeld a fazer automóveis sozinho, durante a década de 30. O novo modelo chamava-se apenas RE, de Rear Engine, que era o local onde estava o motor. Tinha ignição elétrica, dava os 72 km/h, mas apenas foram vendidos 250 exemplares. Em 1934, o motor foi colocado a meio, com caixa de três velocidades, mas apenas foram vendidos três carros. Dois anos mais tarde, com um motor Mastra de 6 cilindros, foi ainda pior – só foram feitas duas unidades!
Nessa altura, Hounsfeld já tinha deixado a Trojan, que continuou no entanto a fabricar carros com o mesmo motor até 1952, altura em que o substituiu por um Perkins Diesel. Pelo meio, a empresa foi fazendo outras coisas, para sobreviver, como camas de campanha, durante a II grande Guerra.
Em 1959, a Trojan foi comprada por Peter Agg, que decidiu começar a fazer “carros-bolha”, sob licença da Heinkel. Nasceu assim o Trojan 200, o último carro a ter o nome Tojan. A empresa adquiriu em 1962, os direitos de fabrico do Elva Courier, produzindo 210 destes carros de “sport” entre 1962 e 1965. Foi daqui que partiu a ideia do McLaren-Elva de competição.
A empresa continuou a existir sob o nome Trojan Limited, com que nasceu em 27 de Fevereiro de 1914, até ser dissolvida legalmente, a 19 de Março de 2013. As instalações de Croydon já foram vendidas.
Na América, funcionou desde 1959 a Trojan Lambreta, uma parceria com grupo Lambretta para fabricar veículos de duas rodas – a Trobike, que foi uma das primeiras marcas de mini-motos existentes no mundo e uma das mais baratas e que menos impostos pagava.
No mesmo ano e também nos “States”, começou a fabricar o Trokart, o primeiro “kart” de produção em série existente no mercado, numa altura em que a modalidade estava a dar os primeiros passos. Custava apenas 25 libras e, em quatro anos, estima-se que foram vendidos 250 mil nos “States” e 10 mil na Grã-Bretanha.