Quo vadis motorsport?
O assassino microscópico ajoelhou o mundo e juntou, à desgraça, a miséria, que se vai sentar na cadeira do SARS Cov-2 e dinamitar o que ficou por destruir. O desporto automóvel foi dos violentamente espancados pelo vírus e jaz no chão inanimado à beira da morte, sem vaga à vista nos cuidados intensivos e à mercê da insensível crise que se agiganta à esquina. Por isso a pergunta é óbvia: “Quo vadis Motorsport?!”
Diz-se que com o SARS Cov-2, o coronavírus que espoleta a doença Covid-19, o mundo entrou todo no mesmo carro, com a economia a travar como um Fórmula 1 antes de escorregar para um abismo sanitário sem fundo à vista. Até parece que alguém se enganou na nota de andamento!
Porém, não é verdade que estejamos todos no mesmo carro, pois uns seguem de Fórmula 1, vários de protótipo, alguns de GT e bastantes de WRC. Mas muitos mais andam a rapar o bolso para se divertirem e ganharem uns canecos, celebrarem com os amigos e gabarem-se nas tertúlias “a minha é maior que a tua”. A taça, entenda-se!
Começando logo na madrugada do ano, várias foram as disciplinas que ainda mostraram as novas cores de 2020, para logo estacionarem quando o maldito vírus foi saltitando de país em país fechando atrás dele todas as atividades comerciais e desportivas. A Fórmula 1 passou pelo embaraço de dar um pulo lá abaixo à Austrália e sair de lá com o rabo entre as pernas, ao cancelarem a prova quando se aquecia os motores, e com um primeiro rombo nas contas. O Mundial de Ralis foi ainda mais autista e apesar do vírus acelerar mais que um monolugar, ainda se fez o Rali do México, amputado de um dia de prova, pois os homens dos ralis são com todos nós e quem tem…. tem medo!
No outro lado do lago, a Nascar faz quatro corridas e voltou para Charlotte, na Carolina do Norte, a IMSA também não foi muito longe depois das 24 Horas de Daytona. O nosso Portugal ainda realizou a primeira prova do Campeonato de Portugal de Ralis e duas de Todo-o-Terreno.
Parecia uma gripe mais forte, iria passar depressa, mas quando os chineses já tinham exportado o vírus, estranhamente, resistente e de grandessíssima qualidade, os galopantes números de contágio e de mortes obrigaram à travagem que está a deixar toda a gente à beira do esgotamento e da miséria.
Podem pensar que estou a ser alarmista ou que estou a exagerar. Mas quando se escuta alguém como Claire Williams dizer que foi forçada a colocar em ‘layoff’ os membros da sua equipa de Fórmula 1, ou Zak Brown, o homem do leme da McLaren subsidiada por riquíssimos homens das arábias, profetizar que Mercedes e Ferrari podem ficar a falar sozinhas, os pelos do pescoço eriçam-se e as sobrancelhas elevam-se.
Quando nos bastidores, os mais ricos da Fórmula 1 dobram o joelho e aceitam reduzir o teto orçamental da F1 para os 100 milhões de dólares, ou menos; quando o ACO, o todo poderoso Automobile Clube l’Ouest, aceita a mão estendida dos americanos para encontrarem uma via comum mais económica; quando as federações fecham calendários e admitem que até haver uma vacina para o SARS Cov-2, ainda tem a coragem de me dizer que estou a exagerar?
Não estamos nos campos de minas de Angola, mas pisamos chão virgem que desconhecemos tendo, e muito bem, atirado para o banco de trás a preocupação económica deixando ao volante a preocupação com a saúde de todos. A cada passo enterramos a esperança de que tudo volte à normalidade e a cada decisão, juntamos os planos B, C, D, E, F, G e o desespero cada vez maior de se aproximar o ponto de não retorno e acionar o para queda que anula toda a competição.
Não sou do tempo das guerras mundiais, mas em bem mais de trinta anos de jornalista e mais de cinquenta de ‘maluquinho’ dos automóveis e da competição automóvel, nunca assisti a um cenário como este. Guerras aconteceram, choques petrolíferos, troikas, despautério de políticos, ditadura, enfim, nomeiem o que quiserem, mas nunca vi uma paragem destas, nunca vi o desespero na cara dos adeptos, nunca vi na cara dos praticantes do desporto tanta preocupação.
O maldito SARS Cov-2 será derrotado, pois nenhum vírus quebrou as rótulas à humanidade. Este ajoelhou-nos de uma maneira inaudita, mas um dia, sim, um dia ele irá desaparecer. A China já está a recuperar e a Europa irá pelo mesmo caminho, com os americanos a chegarem lá com o pragmatismo do costume, ou seja, se tiverem de morrer 150 milhões, seja, mas não deixem cair a bola.
Mas o dia seguinte vai ser terrível! O ano só tem 12 meses e todas as disciplinas estão paradas. Começam a sobrar provas e a faltar fim de semana para corridas e já há quem pense em fazer provas a meio da semana, atirando-se para os braços das televisões para colocar o público que não vão poder ter na bancada, na berma da estrada.
O furacão económico que vem de mão dada com o Coronavírus poderá ser devastador: as fábricas dos principais construtores e investidores no desporto automóvel estão fechadas e as vendas estão estateladas num chão de incerteza. Adivinhem lá onde é que esses construtores, apesar de robustamente fornecidos de liquidez, vão começar os mega, híper planos de cortes de despesa? Não será nas remunerações dos conselhos de administração, mas sim no marketing e na competição. Claro!
O impacto nas bolsas foi tremendo e quando todos regressarmos à competição, encontrar dinheiro para competir vai ser mais difícil que descobrir uma agulha num palheiro e aqui voltamos ao início. Se uns andam de Fórmula, outros de protótipo, a grande maioria vai ter de encontrar nos bolsos vazios o dinheiro que alimenta a paixão.
Claro que a competição automóvel vai continuar depois do Covid-19! Nenhum dos apaixonados pelo desporto motorizado vai deixar que um badameco de um vírus nascido a oriente acabe com a nossa paixão, mas ninguém sabe qual será o rosto da competição. São dias desafiadores para todos, mas o “nosso” desporto já passou por tantas crises que endureceu a pele e tornou-se um dos negócios mais adaptáveis às circunstâncias.
Assim, á pergunta “Quo vadis motorsport?” eu respondo sem hesitação: vai correr rumo ao futuro, não importa a forma ou o enquadramento e regressará pujante, belo e sedutor como sempre foi.