F1: Mercedes e o segredo do sucesso
O sucesso de uma equipa de F1 depende de muitos fatores. A Mercedes tornou-se numa das melhores equipas de sempre, senão mesmo a melhor, e por isso merece ser analisada.
A Mercedes regressou à F1 em 2010, depois de uma longínqua e bem sucedida passagem nos anos 50. A marca alemã aproveitou o sucesso da Brawn GP, comprando 45.1% das ações da equipa, ficando Ross Brawn, o cérebro da operação, ao leme da estrutura sediada em Brackley, perto de Brixworth (onde a Mercedes fabricava motores de F1 que fornecia aos seus clientes). Norbert Haug era o segundo nome forte da estrutura, que começou em força com a apresentação de Nico Rosberg e Michael Schumacher como pilotos da equipa.
Sucesso que demorou a chegar
Teoricamente, a equipa tinha tudo para ter sucesso. Uma estrutura que já estava habituada a trabalhar para uma grande marca, uma vez que a Brawn GP surgiu com a saída da Honda, um motor da “casa” também já com provas dadas, dois homens experientes no leme e dois pilotos de topo. Mas o sucesso demorou a chegar e foi preciso esperar por 2013 para que o cenário mudasse completamente.
Por essa altura Brwan e Haug tinha já dado lugar a Niki Lauda e Toto Wolff. A dupla chegou, adquirindo 40% do capital da equipa (30 para Wolff e 10 para Lauda) ficando Wolff como diretor executivo da estrutura e Lauda como presidente não-executivo. Foi o momento de viragem para a Mercedes. Lauda, com a sua capacidade de persuasão conseguiu convencer a Mercedes a investir mais na equipa, apostando tudo na nova regulamentação híbrida que chegaria em 2014 e convenceu Lewis Hamilton a juntar-se à equipa.
2013 trouxe um vice-campeonato e 2014 foi o começo de uma nova era na F1, com a Mercedes a dominar por completo desde então até 2019. O trabalho estrutural de Brawn e Haug, assim como o de Michael Schumacher e Nico Rosberg não deve ser esquecido, mas foi com a entrada de Lauda, Wolff e Hamilton que a sorte mudou para os Flechas de Prata.
Uma visão diferente
A sorte mudou porque a visão da dupla Wolff e Lauda era diferente. Tínhamos visto ao longo dos anos grandes marcas entrarem e saírem da F1, ao sabor das oscilações do mercado automóvel, sem que os responsáveis olhassem de forma séria para a sustentabilidade. Na Mercedes o panorama mudou e os responsáveis tentaram aproveitar a força do nome Mercedes para crescer e tornar a operação sustentável, deixando de ser um peso para a “casa-mãe” Daimler.
Em 2012 a operação da Mercedes custou 166 milhões de euros e viu as receitas ficarem-se pelos 131 milhões o que dava um saldo negativo de quase 34 milhões. Em 2014 a equipa gastou 380 milhões o que levou a perdas de 150 milhões, mas esse investimento seria a base para o que se transformou numa operação bem sucedida.
Em 2018 a Mercedes teve uma receita de 388 milhões de libras, com um lucro antes da tributação de mais de 17 milhões, um valor de entrada de dinheiro, para o qual a Daimler apenas contribuiu com 15%, sendo o resto da operação financiada pelos prémios da F1 e pelos patrocinadores, outros dos pontos chave da estrutura Mercedes, que conseguiu atrair para si uma carteira de 14 patrocinadores e oito parceiros que funcionam como fornecedores, alguns “roubados” a outras equipas e outros mais recentes que não tiveram dúvidas em juntar-se a uma equipa de sucesso.
Se os números em Brackley são animadores, em Brixworth, onde são feitos os motores, ainda mais. A estrutura é da pertença da Mercedes, tendo em 2018 tido um custo de 146 milhões de euros com 84 a serem usados em pesquisa e desenvolvimento. Pode parecer muito mas em Brixworth também as contas estão no verde tendo uma receita de 161 milhões.
Tudo resumido em 2018 a Mercedes teve um lucro de 20 milhões (com as receitas de Brackley e Brixworth em conjunto a serem superiores a 500 milhões), apesar de gastar mais 100 milhões que a maioria da concorrência (apenas a Ferrari chega perto).
Um investimento com retorno e potencial
Mais ainda, a Mercedes em 2010 tinha a sua marca avaliada em 25 mil milhões de dólares, valor que passou para os 50 mil milhões atualmente. O dobro do valor numa marca que se soube reinventar e apelar mais ao público jovem, com a F1 a ter um papel crucial nessa revolução.
Em resumo a Mercedes tem lucro, num desporto onde tem dominado por completo e com o limite orçamental provavelmente deixará de ter necessidade de receber um cêntimo da Daimler na operação. Isto é um sonho para qualquer marca, ter uma máquina publicitária como é a F1 a trabalhar a custo zero para as contas da casa mãe, acrescentando valor na publicidade e na tecnologia.
Mais ainda, a sua unidade de Birxworth fornece motores para a F1, Fórmula E, é um centro de desenvolvimento para a recém criada Mercedes-Benz Applied Science, um caminho seguido antes pela McLaren (Applied Technologies) e pela Williams (Advanced Engineering), que não são mais do que departamentos criados para aproveitar o conhecimento angariado ao longo dos anos para os aplicar noutro tipo de soluções que exijam engenharia de alto calibre.
Do ponto de vista financeiro a Mercedes tornou-se rentável aos olhos da Daimler, sustentável e preparada para enfrentar os desafios do futuro.
O segredo do sucesso… o espírito de equipa
Mas o segredo não foi apenas a visão dos responsáveis. Na F1, o dinheiro chega ao mesmo ritmo do sucesso. Foi preciso olear uma máquina complexa, com muitas engrenagens. E aqui esteja talvez o grande segredo da Mercedes. A paixão. Num ambiente em que os funcionários não sentem a pressão se errarem, a eficácia no trabalho aumentou. E com isso a pressão negativa foi transformada em sede de sucesso. A equipa tem uma fome de vitórias incomparável e isso é notório depois de um desaire… raramente a Mercedes não vence uma corrida depois de uma prova abaixo do desejável. Nunca a Mercedes deixou de apresentar soluções para os carros quando a performance baixou.
É talvez esta a grande diferença entre a Mercedes e a Ferrari. Na Ferrari Binotto apenas recentemente deu mais liberdade e menos pressão ao departamento técnico, que estava muito “preso” e tinha medo de arriscar. Desde a passagem de Binotto pela direcção técnica da equipa que a Ferrari deu um salto considerável na sua performance. Isso era o que já acontecia na Mercedes. Há espaço para inovar, para tentar soluções diferentes mesmo que essas impliquem um desaire. Uma equipa na verdadeira ascenção da palavra.
Basta ver Lewis Hamilton. Na McLaren o espartilho colocado pela busca da perfeição de Ron Dennis limitava a expressão do piloto que, por vezes, quebrava em momentos mais tensos. Na Mercedes ganhou liberdade para seguir outras paixões, o seu rendimento em pista melhorou e a sua força mental aumentou tremendamente. É esta filosofia que é aplicada a toda a estrutura que tem dado frutos. Mais uma vez, a visão de Wolff e a paixão de Lauda transformaram uma equipa com potencial, tornando-a numa máquina vencedora.
A cara do sucesso: Toto Wolff
Toto Wolff é o diretor de equipa mais bem sucedido de sempre com uma percentagem de vitórias a rondar os 75%, longe dos 39% de Jean Todt. Claro que tem a seu favor o menor “tempo de serviço” mas ainda assim a taxa de aproveitamento é espantosa. Com 12 títulos conquistados está perto de alcançar Jean Todt (13), Ron Dennis (17), Colin Chapman (13) e Frank Williams (16).
Mas a Toto Wolff e Niki Lauda outro nome tem de ser adicionado: Dieter Zetsche. Ele é que assinou os cheques mesmo quando a equipa não vencia, ele é que manteve a aposta na F1 mesmo após um começo titubeante. Sem a sua perseverança e confiança, nada disto teria acontecido.
A Mercedes conseguiu contratar grandes pilotos, excelentes mecânicos e engenheiros, mas mais que isso, conseguiu coloca-los a trabalhar de forma harmoniosa, em busca de um objetivo comum… bater todos os recordes.
Obrigado pelo artigo, muito interessante. Cumprimentos