Fórmula 1: Mais dúvidas que certezas
Por José Luís Abreu
A Fórmula 1 ‘luta’ em várias frentes, não só para para ter corridas em 2020, mas também para tentar atenuar os efeitos da crise económica que se desenha. Baixar custos é imperativo, mas para já é o futuro imediato que está em jogo
Numa altura em que a Fórmula 1, bem como todos os desportos, permanece parada, ainda ninguém sabe muito bem o que se poderá fazer, já que a Covid-19 ainda leva a que se tenham mais dúvidas do que certezas. Não faltam planos, teorias, perspetivas, opiniões, e se em alguns temas a corrente de opinião converge, noutros casos há ainda mais do que um lado da barricada.
Já ficou claro para todos que a Fórmula 1 está a sofrer um forte abanão com esta pandemia, que já fechou fábricas, colocou funcionários em lay off, reduziu salários de pilotos, e está, como se esperava a deixar várias equipas num limbo que pode ter como consequência o seu encerramento.
No meio disto tudo, discutem-se possíveis calendários, até que nível se devem baixar os orçamentos do próximo ano e seguintes, sendo que toda esta questão está a ter efeitos a variadíssimos níveis.
Já se percebeu que é imperativo baixar custos, o presidente da FIA, Jean Todt, já o diz a uma voz muito alta, pois também ele já percebeu que esta crise económica que se desenha pode ditar fim de metade das equipas do pelotão de Fórmula 1. Tal como Ross Brawn já disse, foi preciso uma crise como esta pandemia de coronavírus para as equipas reconhecerem que devem ser mais agressivas com o teto orçamental, uma questão que é muito sensível na F1. Zak Brown, CEO da McLaren é claro: “Há muito que sabemos que o modelo de negócio da F1 não é sustentável”, mas a verdade é que há equipas como a Ferrari e a Red Bull que se opõem terminantemente a reduzir demais.
Não restam dúvidas que há equipas em risco de desaparecer, e neste contexto continua a troca de argumentos, e até já a Ferrari ameaça com o ‘fantasma’ da saída, tal como já fez inúmeras vezes no passado.
Christian Horner diz que se “é para poupar, adiaria as novas regras para 2023” e atira outra forma de reduzir custos, que passa pelas equipas grandes venderem os seus carros (por completo), algo que Guenther Steiner discorda por completo. Por outro lado, o italiano tem muito que se preocupar, já que a Haas F1 é uma das que está em sério risco de desaparecer, a outra é a Williams e Claire Williams alerta que esta é “uma oportunidade” para mudar muita coisa na F1.
Como é lógico, há muita coisa a fazer e em primeiro lugar, pensar como regressar o mais depressa possível, e nesse contexto pondera-se correr em circuitos sem público, isolando as equipas umas das outras o mais possível, de modo a que se possa, pelo menos, ter corridas que entretenham os adeptos via TV, ao fim ao cabo como 99.9% as vê.
Estuda-se o calendário possível, e este será outros dos temas complicados, pois caso seja possível arrancar em julho, não se sabe muito bem onde, quantas corridas e quando. Entre 15 a 18 corridas, diz Chase Carey, CEO da Fórmula 1, algo que não será fácil mas provavelmente bem acima do mínimo de oito que referem os regulamentos da FIA para o campeonato poder ‘valer’.
Já se sabe que os organizadores da Fórmula 1 estão abertos a renegociar os fees, sendo que até aqui nove das 22 corridas inicialmente previstas já foram adiadas ou canceladas. Que não vai haver, por exemplo GP da Austrália e o GP do Mónaco já é ponto assente.
Outro tema muito falado é, se necessário, haver circuitos que recebam mais do que uma corrida. Red Bull Ring, Silverstone? Há muitos outros circuitos europeus em sérios riscos de não poder ter corridas este ano. Itália, Espanha, França, Bélgica, da Holanda diz-se que sem público: “nem pensar…”. No meio disto tudo, as fábricas continuam fechadas, algumas a trabalhar para ajudas os sistemas de saúde dos respetivos países, muitos trabalhadores estão em ‘lay off’ e a Fórmula 1 está em perfeito ‘stand by’.
Todt muito preocupado
O presidente da FIA, Jean Todt, deu recentemente um forte alerta às ‘tropas’ ao dizer bem alto que é imperativo reduzir os custos na Fórmula 1, colocando o teto orçamental a uma nível confortável para todos, mas claramente abaixo do valor original de 175 milhões de dólares. “O automobilismo é demasiado caro”, disse. “Os construtores estão a atravessar uma crise histórica e serão obrigados a fazer escolhas que os poderão levar a rever os seus compromissos nas competições. Os concorrentes privados, mesmo sendo muitas vezes, ricos, arriscam-se a ter que reduzir os seus investimentos. Tudo deve ser repensado. Por outro lado, há seis anos, criámos a Fórmula E, que se está a tornar cada vez mais atrativa”, disse Todt. Para que se perceba o que quer dizer, o orçamento das equipas de Fórmula E situa-se entre os 15 e os 20 milhões de dólares. Não F1 luta-se vigorosamente para descer dos 175 milhões…
Todt é claro: “A Fórmula 1 vai continuar a ser o topo, mas estou preocupado com o seu excesso financeiro”. Mas o presidente da FIA aponta o caminho: “Vamos impor um limite máximo aos orçamentos, e espero que consigamos correr 15 a 18 corridas, pensamos que podemos recomeçar, talvez à porta fechada, em julho. Resta decidir onde e talvez alguns promotores possam organizar dois Grandes Prémios”.
Crise pode ‘levar’ equipas
Um dos temas que mais se tem falado neste prolongado hiato e sabendo-se dos efeitos que está e ainda irá ter nas contas das equipas, teme-se que cinco equipas possam ir na enxurrada se nada, ou muito pouco, for feito para o evitar. Ross Brawn lamentou recentemente ter sido preciso uma crise como esta pandemia de coronavírus para que as equipas se sentassem à mesa para discutir a questão dos elevados custos: “Esta crise da Covid-19 veio criar uma oportunidade para que as pessoas olhem realisticamente para o orçamento. Faz com que possamos renegociar com ainda mais determinação”, diz Brawn, mas pelos vistos há quem esteja a travar o ir mais longe, especialmente a Red Bull e a Ferrari.
Ross Brawn prossegue: “Esta doença tem um grande impacto social e económico e agora precisamos de encontrar um equilíbrio para que a normalidade volte a existir. O desporto também é um grande fator para o bem-estar das pessoas. É entretenimento e traz emoções positivas. Se o desporto desabar, temos milhares de pessoas desempregadas. Temos de encontrar forma de ultrapassar isto”, disse Brawn.
Zak Brown vai mais longe: “Sem dez equipas ou pelo menos nove, não temos F1. Algumas equipas (refere-se à Red Bull e Ferrari) devem ter muito cuidado, porque acho que estão a brincar com o fogo. Se continuar este desporto insustentável e duas equipas [pequenas] tiverem que sair, a F1 não vai funcionar. Acho que a Daimler está a fazer um excelente trabalho, reconhecendo a situação em que estamos pelo que podem deduzir quem são as outras equipas. No desporto queremos pensar que todos podem lutar de maneira justa e que o melhor vença. Neste momento são pesos pesados que só querem lutar com pesos médios.” Fica assim claro que é a Red Bull e a Ferrari que estão a prejudicar as negociações e que não querem baixar o limite orçamental.
Como vai ficar o teto orçamental
Portanto, esta questão do teto orçamental é decisiva para que equipas que possam estar agora a ‘tremer’ fiquem a saber que apesar dos problemas com que estão agora, o futuro próximo será muito mais barato, e com isso podem esforçar-se para não cair agora.
São muitas as informações que circulam, mas resumindo, a questão é simples. Já se chegou ao limite máximo de 175 milhões de dólares, continua a haver conversações para reduzir esse valor para 145 milhões de dólares, que tem duas fortes oponentes, a Ferrari e Red Bull, e quando alguém atirou para cima da mesa os 130 milhões de dólares de teto orçamental em 2022, a Ferrari rejeitou liminarmente. A McLaren acha que 100 milhões de dólares era bom. Portanto, vejam-se as dificuldades de lidar com isto…
Convém ainda referir que o teto orçamental foi negociado com 20 exceções que não são contabilizadas para esse limite: os salários dos pilotos, os custos laborais dos três empregados mais caros, despesas de viagens e aluguer de motores. Ou seja, o limite será sempre uma figura de retórica.
Williams, Haas, no topo das dificuldades, McLaren, preocupante. Da Alfa Romeo fala-se pouco, a Racing Point foi recentemente comprada por Lawrence Stroll, a Toro Rosso está bem protegida pela Red Bull, a Renault é uma incógnita, depois restam as três grandes, Mercedes, Ferrari e Red Bull.
É fácil perceber que a Fórmula 1 mudou de face numa mão cheia de dias, deixando claro que o impacto do Coronavírus é bem maior que o esperado. Pode parecer estranho ver a McLaren no lote de equipas com dificuldades, mas Andreas Seidl já disse que “a crise em que estamos agora é um aviso final para um desporto que antes não era saudável, que não era sustentável, e que agora chegou a um ponto em que precisamos de mudanças drásticas”, disse. Mais claro que isto, não há…
Neste contexto, Christian Horner atira para a discussão algo que pode fazer sentido: “Se é para poupar, adiaria as novas regras para 2023”. Para o responsável da Red Bull, se as equipas quiserem poupar verdadeiramente, os novos regulamentos terão de ser adiados por mais um ano. Os novos carros são uma das maiores mudanças de sempre da F1, com uma nova filosofia ao nível da aerodinâmica, suspensões, gestão de pneus entre muitos outros aspetos. “Como Ron Dennis costumava dizer, se quer poupar neste negócio, não mude nada e ele estava absolutamente certo. É por isso que não concordo muito com uma mudança para 2022. Não há um único componente que seja uma transição de 2021 para 2022. Seremos forçados a fazer testes de pneus e construir carros para testes, o que é uma pressão desnecessária colocar esses custos já em 2021. Eu adiava as novas regras mais um ano, até 2023.“
Mas diz mais: “Se calhar a Ferrari não quer isto porque o carro deles não é tão competitivo agora. E as equipas mais abaixo acham que uma folha de papel em branco mudará a hierarquia. A realidade é que nada mudará, mas é certo que aumentará os custos em 2021.
Acho que deve ficar tudo igual, fazer apenas algumas atualizações aerodinâmicas entre épocas. Isto se realmente estivermos focados apenas em cortar os custos “ disse Christian Horner, que relativamente a medidas que possam ajudar as equipas mais pequenas, as de topo podiam vender os seus carros (por completo) às outras, mas o chefe de equipa da Haas F1, Guenther Steiner não concorda. “O que queremos é que as equipas de topo trabalhem com um orçamento menor. Assim, podemos ser mais competitivos. Com esse plano ficaríamos a ser equipas clientes e as maiores poderiam manipular a nossa performance, para lá de que teríamos um carro mais antigo. Ficariam sempre à nossa frente. Com o teto orçamental, continuamos a não gastar tanto como as equipas grandes, mas estaríamos mais perto e com o que é nosso.” disse Guenther Steiner, que sabe que Gene Haas, dono da equipa, não vai esperar para sempre: “Vamos torcer para que, nos próximos meses, tenhamos uma visão melhor do futuro próximo. Não há ninguém a culpar, são apenas as circunstâncias. No momento, ele (Gene Haas) pode estar calmo, mas virá o tempo em que vai ter de tomar uma decisão.“
Do lado da Williams, as coisas não são muito diferentes: “É um ambiente incrivelmente difícil em que a Fórmula 1 se encontra agora. É por isso que passamos tanto tempo trancados em reuniões para fazer tudo o que precisamos para garantir que todos consigamos sair ilesos. Tudo depende de quando poderemos competir novamente, principalmente para uma equipa como a nossa, uma das poucas verdadeiramente independentes que restam. Não temos o apoio da maioria de nossos concorrentes. Para nós, correr é realmente crítico este ano, mas como eu disse, somente quando for seguro fazê-lo. Não é fácil. De momento, é preocupante o que vai acontecer, porque a situação é muito fluída. Nós não sabemos se teremos 15 corridas, oito corridas ou zero. Eu não invejo Chase Carey (CEO da F1) e o trabalho dele neste momento.
Não sabemos quando os bloqueios serão suspensos e, mesmo se eles forem suspensos num país, podem não ser noutros. Como moveremos um desporto inteiro que compreende uma enorme quantidade de pessoas? São muitas pessoas que cruzam fronteiras. Isto não tem precedentes, e temos que trabalhar agora para que, caso surja uma situação semelhante no futuro estejamos todos muito melhor protegidos.”
Como se percebe, há um mar de problemas a resolver e parece claro para todos que a crise de 2008 ao pé deste furacão é uma chuvada torrencial. Que em dois anos ‘levou’ quatro equipas.
Que calendário?
No meio disto tudo, a FIA, Liberty Media e as equipas estudam que calendário é viável, mas neste momento têm um problema grande: é cedo para começar a tomar decisões. Depois de saberem uma data – e aqui convém não esquecer que têm que colocar imensos países na equação – há que ver onde se podem fazer corridas, como as podem fazer (aqui é quase certo que, pelo menos as primeiras, terão que ser à porta fechada). Quantas corridas será possível fazer, é outra questão, mas como já se percebeu, todos os envolvidos, estão preparados para ceder em tudo, ou quase.
Corridas à porta fechada, fins de semana modificados, encurtados, etc. O simples facto de poder haver corridas e transmiti-las na TV era bem mais de caminho andado para apaziguar os muitos milhões de adeptos da F1, para quem, um ano sem competição é muito mau.
Convém aqui não esquecer que o desporto motorizado começou muito antes da segunda grande guerra mundial, e quando esta terminou, desenvolveu-se bem mais rapidamente que antes. As coisas são diferentes hoje em dia, porque metem muito mais dinheiro pelo meio, mas para o mundo girar, depressa todos se querem por a mexer o mais rapidamente possível.
Sabe-se que o promotores da Fórmula 1 estão abertos a renegociar as taxas mais baixas, para as corridas que possam ter lugar sem adeptos e se a Liberty Media quer evitar maiores problemas com os contratos de TV, tem que o fazer.
De qualquer forma, a F1 procura soluções para salvar a época de 2020, mas os problemas que tem pela frente são ciclópicos. Por exemplo, o fator logístico não é fácil de gerir, e isso diz-nos que a Europa vai voltar a ser o epicentro, desta vez da F1 2020.
Terá que haver cuidado com a sequência de provas, devido a todos os que englobarem a caravana. É preciso tempo para respirar num meio em que tem horas de trabalho intenso e pouco descanso.
Há, como se sabe, circuitos prontos para receber mais do que uma corrida, se necessário, por exemplo o Red Bull Ring e Silverstone: “Nós discutimos todos os tipos de soluções , incluindo a realização de duas corridas num fim de semana e duas corridas em finais de semana consecutivos ”, disse o porta-voz de Silverstone.
Quanto ao calendário, temos que esperar pela data em que o arranque será possível. A partir daí não será tão complicado saber quantos Grandes Prémios, onde e quando.
Uma coisa que é mais ou menos ponto assente, é a necessidade de correr à porta fechada, nos primeiros tempos. Para se começar a correr há que fazer concessões, e uma delas é correr sem público. Para Sebastian Vettel: “Existem muitas opiniões em termos de quando começar ou como começar: se é com adeptos ou não, se teremos corridas ‘fantasmas’, não sei. Mas, ninguém gosta de correr em frente a bancadas vazias. É estranho. Gostaríamos de voltar ao normal, e não é só a F1, mas todo o mundo. Mas temos de ser pacientes. As primeiras corridas terão provavelmente de ser um compromisso perante aquilo a que nos acostumámos, mas espero que não seja muito grande. Queremos correr de um modo familiar, ou seja, em frente de adeptos, com uma grande atmosfera. Veremos.”
Há pelo menos um local que não pretende levar a cabo a sua corrida sem público. O Grande Prémio da Holanda é suposto ser “uma grande festa”, portanto, uma corrida ‘fantasma’ em Zandvoort não é opção. Em Zandvoort, o chefe do Grande Prémio, Jan Lammers, disse que um Grande Prémio sem espetadores é impensável: “Se houver corrida, não pode haver compromissos. Para nós, o regresso da F1 ao fim de 35 anos tem de ser uma grande festa.”
Zandvoort é um regresso que pode esperar um ano, mas há mais problemas com corridas que os adeptos não querem perder: Spa.
Com o anúncio do governo belga de cancelar todos os grandes eventos até 31 de agosto, o GP da Bélgica poderá não ter lugar. Mas para Vanessa Maes, responsável do promotor de Spa: “Nada é impossível. Todos os cenários, adiamento, corrida à porta fechada, cancelamento, serão estudados. Ninguém pode dizer hoje qual será a situação dentro de 4-5 meses. A prioridade absoluta é a saúde dos belgas e dos espectadores que vêm a Spa-Francorchamps”, disse.
O GP de França também está em risco pois Emmanuel Marcon, presidente francês, renovou as medidas de restrição para travar o novo coronavírus.
Estes são apenas exemplos, há situações assim em toda a Europa, e não só, pelo que só quando a névoa se começar a dissipar poderá haver condições para tomar decisões consubstanciadas. Há vontade da FIA, Liberty Media, promotores e equipas se ajustarem para reduzir os efeitos deste drama, mas mais prioritário que isso é “curar o Mundo, fazer dele um melhor lugar, para si e para mim, e toda a raça humana”, tal como diz a música de Michael Jackson…