Fórmula 1: Desporto global sem espectadores?
O desespero começa a tomar conta de equipas, pilotos e até dirigentes, à míngua de receitas e perante algo que não conseguem controlar, disparam para todos os lados. Mas há linhas que, infelizmente, não se podem cruzar.
Por José Manuel Costa
Já abordámos esta travagem da economia mundial e da Fórmula 1, em particular, de quase todos os ângulos. Desenhamos cenários para calendários e escalpelizámos os orçamentos, lembramos que a Fórmula 1 tem de encolher o teto orçamental e que os pilotos vão ter de encolher os seus vencimentos, enfim, já revirámos a Fórmula 1 como se estivéssemos a resolver um cubo de Rubrik.
Perante o desespero de alguns e as notícias de eminentes falências de equipas, parangonas que dizem pilotos aceitarem reduzir salários e muitas equipas utilizarem a sua capacidade industrial para ajudar no esforço de guerra, perdão, de luta contra o Covid-19, alguns responsáveis soltaram ideias e procedimentos sobre o futuro da Fórmula 1.
Chase Carey, CEO da Fórmula 1, já disse que a pausa de verão vai ser usada para flexibilizar o calendário e que o campeonato teria entre 18 a 15 provas, uma afirmação ousada e ao arrepio de qualquer informação privilegiada. Só Deus sabe, se é que ele sabe alguma coisa…, quando o SARS Cov.2 vai desaparecer da nossa vida ou quando é que podemos sair de casa e apanhar sol, conversar e fazer corridas. Olhemos ao redor: até os Jogos Olímpicos, o maior espetáculo de desporto a nível galáctico, não quis tropeçar no otimismo e decidiu adiar para 2021 a realização da edição deste ano. O futebol fez o mesmo e atirou para o próximo ano a realização do Europeu.
Por via disto tudo, alguns alvitraram a realização das provas sem publico e com redução de efetivos com rigorosas medidas de segurança como o afastamento social e a utilização de material de proteção individual. Muito bem, mas… um Grande Prémio à porta fechada? Já imaginaram?
Impossível fazer corridas à porta fechada
Imagine que o caro leitor é o CEO da empresa promotora de um Grande Prémio de Fórmula 1. Olhe para o seu orçamento e percorra todas as parcelas. Patrocinadores, privados ou estatais, dinheiro dos organismos de turismo locais e nacionais, enfim, as fontes de receita. Neste grupo vamos encontrar o “Paddock Vip”, um dos grandes contribuintes para o orçamento da prova. Ainda nesta parcela temos a bilheteira. É verdade, os preços exorbitantes de ingresso nas bancadas da Fórmula 1 e ainda mais pornográficos para aceder ao Paddock, asseguram uma enorme, diria mesmo, gigantesca fatia do orçamento.
Agora, olhemos para as despesas. Para lá das parcelas do aluguer da pista e pagamentos a comissários, custos com empresas de segurança e avenças dos comissários, condições de higiene com o aluguer de casas de banho e manutenção da pista e das bancadas, à cabeça de todos os custos estão os 30 milhões de dólares que se tem de pagar à FOM para poder organizar um Grande Prémio.
Se para um fim de semana de Fórmula 1 numa pista convencional, o curto operacional não fica abaixo dos 5 milhões de dólares, pistas citadinas ou semi citadinas vêm o custo multiplicar com a montagem, desmontagem e armazenamento a chegar, facilmente a outros 5 milhões de dólares.
Enfim, como disse um dia o agora Secretário Geral da Onu, António Guterres, “é só fazer as contas.” Antes de um carro chegar a rolar em pista, a conta aflora os 40 milhões de dólares.
Descontando as geografias onde os governos aligeiram a responsabilidade do promotor, pagando para promover a sua imagem sem se preocuparem com os custos, nenhum outro promotor pode fazer corridas á porta fechada e sem “Paddock Vip”! É impossível!!!
Os direitos televisivos com a expectável subida de audiências não iriam compensar provas com mais de 100 mil espetadores ao longo de um fim de semana, realizadas á porta fechada.
Claro está que provas como o Bahrain, Abu Dhabi, Rússia, Vietnam, Azerbaijão e China, podem sempre se realizar quando desejarem e com as portas fechadas, pois isso não lhe fará a mínima diferença.
A Liberty pode assumir a organização de mais algumas provas, como o GP dos EUA em Austin, mas sobraria uma questão bicuda: queremos um calendário de 2020 só com estas provas?
Torre de Babel nas boxes
Outra razão para alguma cautela sobre o recomeço da competição reside na verdadeira Torre de Babel que é o “circo” da Fórmula 1. Grosso modo, são 2500 pessoas que se movem de diversos modos de pais em pais, com mais de 20 nacionalidades diferentes. Porem, com grande incidência em Espanha, Itália, Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos da América. Coincidência das coincidências, estes são os países mais afetados pelo SARS Cov.2 e pela doença Covid-19, sendo que muitos destes 2500 membros do “circo” regressaram a casa.
Imaginem a bomba bacteriológica em que a Fórmula 1 se pode tornar se a Liberty decidir abrir as comportas do confinamento sem avaliação sanitária de autoridades competentes.
Como seria possível manter a distância de segurança de dois metros, por exemplo, numa paragem nas boxes para troca de pneus? Ah! dizem os mais otimistas, acabamos com as trocas de pneus. E os Pirelli aguentam? Vamos ter corridas de poupança de borracha? E como é que os mecânicos vão trabalhar com luvas e máscaras e evitar mexer na cara, quando o suor escorrer em bica? Se houver uma avaria nos treinos livres, como é que os mecânicos vão acelerar o passo para conseguirem colocar o carro na qualificação se tem de estar a dois metros um dos outros?
Sobram as questões, não abundam as respostas. Uma coisa é certa: ninguém sabe quando e como é que o vírus nos vai deixar ter uma vida normal e por isso acertar na data de recomeço da Fórmula 1 é digno de um qualquer Zandinga que por aí ande. Mas como não acredito no oculto, começo a acreditar que, não chegando ao mínimo de corridas de 1950 (7), poderemos ter um campeonato muito curto. Isto para não dizer muito alto que a Fórmula 1 pode não ter competição no ano da graça de 2020.