Rali de Portugal: orgulho no passado, a caminho dos ’60’…
Sabia que o Rali de Portugal é a terceira prova mais antiga do Mundial de Ralis? E que neste momento é a quinta ex-aequo com a Córsega que mais vezes fez parte do calendário do WRC? À ‘nossa’ frente só estão a Finlândia, Grã-Bretanha, Suécia e Monte Carlo. Com inequívoco orgulho no passado, o Rali de Portugal já iniciou há seis anos mais um capítulo na sua história ao passar a fasquia das cinco décadas, e corre, ‘alegremente’ a caminho dos 60…
Voltando aos primórdios, o Rali de Portugal foi pela primeira vez para a estrada em 1967, pela mão do seu grande impulsionador e primeiro diretor, Alfredo César Torres. Tratou-se, na altura, de uma prova organizada para o Grupo Cultural e Desportivo da TAP, mas que três anos depois já contava com a presença dos melhores pilotos nacionais. Sempre muito duro e difícil, rapidamente se estabeleceu como um evento exemplarmente organizado, incluindo, desde a sua primeira edição, uma componente mista que conferia ao rali um carácter muito especial. Dessa forma, a participação das equipas de fábrica passou de esporádica a permanente, sobretudo quando passou a integrar o Campeonato da Europa, em 1970. Em 1972, preparando a entrada no Mundial, o rali sofreu alterações profundas, com a introdução de 31 especiais cronometradas. O Autódromo do Estoril foi, pela primeira vez, utilizado nesta edição em duas provas especiais, a última delas o mítico ‘slalom’ que durante vários anos encerrou a prova.
Fulgor do Mundial
Em 1973, O Rali de Portugal integrou pela primeira vez o Mundial da especialidade, com César Torres a montar a prova em apenas seis meses.
Um ano depois, esteve para não se realizar devido à célebre crise do petróleo. Valeu então a providencial ajuda da Venezuela que se disponibilizou para oferecer gasolina à FIA, salvando a prova portuguesa. Em 1975, o rali viu a sua nomenclatura alterada com a entrada do Instituto do Vinho do Porto como principal patrocinador, apenas retomando a sua designação inicial em 1994, com o regresso da transportadora
aérea nacional. Pelo meio, a triste edição de todas, em 1986, com o trágico acidente de Joaquim Santos no troço da Lagoa Azul que viria a resultar na morte de três espetadores. Este acidente levaria à anulação da ronda de Sintra e ao abandono em bloco das equipas de fábrica, marcando também o primeiro de uma série negra de acontecimentos que culminaria na proibição dos Grupo B.
Adeus a César Torres
Devido à rotatividade das provas, a edição de 1996 não contou para o Mundial nem com nenhuma equipa de fábrica à partida, pelo que Rui Madeira se tornou no quarto português a vencer à geral, depois de José Carpinteiro Albino (1967), Francisco Romãozinho (1969) e Joaquim Moutinho (1986). Em 1997, regressou novamente ao Mundial, mas viu pela última vez César Torres tomar as rédeas da prova… não sem antes deixar pensada e definida a edição do ano seguinte.
Desde cedo o Rali de Portugal marcou um novo estilo, colocando-se entre as mais prestigiadas provas de todo o calendário, por cinco vezes conquistando o título de “Melhor Rali do Mundo” e, em 2000, o “Best Improvement Rally”, quando tudo fazia ainda prever uma nova e próspera vida para a nossa maior prova de estrada. Contudo, o verdadeiro dilúvio que se abateu sobre o país na edição de 2001 precipitou o fim do
sonho, depois da FIA decidir, no final desse ano, pela sua exclusão do Mundial.
A terceira era
Apenas com estatuto nacional, o Rali de Portugal entrou inevitavelmente em curva descendente a partir de 2002, ao mesmo tempo que se mudou de “armas e bagagens” para a zona de Macedo de Cavaleiros, permitindo a Didier Auriol uma das suas raras conquistas em solo nacional.
Até que em 2004 se inaugura mais um capítulo, com a promessa de organizar um novo e mais moderno Rali de Portugal, centrado na região do Algarve, pela Direção do ACP, liderada por Carlos Barbosa. Após dois anos como candidato, o esforço de toda a equipa organizativa foi justa e devidamente recompensado, com a confirmação do regresso ao Mundial já em 2007.
Nova afirmação
Desde que regressou em 2007 ao WRC (em 2008 pertenceu apenas ao IRC) e definitivamente em 2009, o Rali de Portugal depressa se voltou a cotar como uma das provas mais importantes e mais bem organizadas do calendário. O percurso e e a organização nas provas realizadas no Algarve entre 2007 e 2014 maravilhou os concorrentes e a FIA, mas ali sempre faltou algo que sempre marcou o Rali de Portugal, o público.
Com as experiências vividas a norte com o Fafe Rali Sprint a FIA abriu a boca de espanto com a festa que viu naqueles seis quilómetros de troço e não desistiu até convencer Carlos Barbosa a levar o rali novamente para o norte.
Foi o que aconteceu em 2015, com o sucesso que se conhece, pois o público voltou em força às estradas do rali, e desta vez com uma enorme novidade: se até 2001, muitas vezes colocou graves problemas às sucessivas organizações, com o Rali de Portugal a ser vítima do seu próprio sucesso, de 2015 para cá esse mesmo público entendeu na perfeição a mensagem constantemente passada pelo ACP e tem ajudado muito a prova a ser segura e um exemplo para muitas outras. Continua a haver entusiasmo, espetáculo, mas também muita segurança, ao ponto da Delegada de Segurança da FIA, num das últimas provas ter confessado ao AutoSport: “O meu trabalho em segurança e no controlo dos espetadores nos dias de hoje em Portugal é quase um feriado para mim”. Que melhor elogio pode ouvir o público?
Este ano, como se sabe, a prova teve que ser adiada devido ao COVID-19, mas se tudo correr como previsto, a prova realizar-se-á lá mais para a frente. Nova data, o mesmo espetáculo e emoção.
A SAGA DE VATANEN
Alguns dos melhores pilotos do mundo guardam para sempre a mágoa de nunca terem conseguido vencer em Portugal. Foi assim com Ove Andersson, Bjorn Waldegaard e Ari Vatanen. O finlandês tinha 24 anos quando se estreou na edição de 77. Durante muito tempo comandou a
prova, até que, exuberante por já ter passado nos duríssimos pisos da Senhora da Graça e do Marão, se despistou a 20 metros do final do
troço de Armamar… Três anos depois, ficou na Cabreira, aterrando o seu Ford no tejadilho do outro Escort RS conduzido por Hannu Mikkola, que ali se tinha despistado dois minutos antes. No ano seguinte, estava em segundo quando o líder Mikkola viu o motor do Audi partir em pleno
Marão. Vatanen ficou endiabrado com o triunfo à sua mercê, ao ponto de, no troço seguinte, protagonizar irremediável despiste.
O RECORDISTA DE TRIUNFOS
Markku Alen é ainda hoje o recordista de triunfos no Rali de Portugal (ex-aequo com Sébastien Ogier), por cinco vezes subindo ao lugar mais alto do pódio (75, 77, 78, 81 e 87), O primeiro triunfo obteve-o com um Fiat 124 Abarth e os três seguintes aos comandos do Fiat 131 Abarth. De resto, foi na prova portuguesa que assinou o primeiro dos seus 20 sucessos no Campeonato do Mundo. O mais inesperado deles aconteceu na edição de 81 da prova portuguesa, quando chegou a concluir a segunda especial, na Peninha, só com três rodas e andando em… marcha-atrás.
A última vitória em terras lusitanas foi com um Delta HF 4WD, em 1987, no ano em que a Lancia foi obrigada a enviar de Itália novos amortecedores para fazer face ao inesperado domínio inicial do R11 Turbo de Ragnotti.
TRÊS DE SEGUIDA
Por seu turno, Miki Biasion foi até agora o único piloto a impor-se por três vezes consecutivas na prova portuguesa pontuável para o Mundial. Ao serviço da Lancia, estreou-se a vencer em 1988, beneficiando do atraso inicial do companheiro Markku Alen, repetindo o feito no ano seguinte
quando os Delta conquistaram todos os lugares do pódio. O terceiro triunfo consecutivo surgiu em 89, em mais um rali dominado pela marca italiana que voltou a colocar no pódio Didier Auriol e Juha Kankkunen.
A PRIMEIRA DE UMA SENHORA
Em 1982, o Rali de Portugal/Vinho do Porto foi ganho, pela primeira e única vez na sua história, por uma mulher, Michèle Mouton, acompanhada da italiana Fabrizia Pons. Aos comandos de um imponente Audi Quattro, a francesa não encontrou grandes dificuldades para se impor ao
Toyota Celica do sueco Per Eklund e ao outro Audi Quattro do austríaco Franz Wittman. Um ano depois, Mouton voltou a subir ao pódio, sendo apenas batida pelo seu companheiro na Audi, o finlandês Hannu Mikkola, que repetiria a vitória em 84.
O MAIS RENHIDO DE SEMPRE
Apenas 2,1 segundos separaram o Toyota Corolla WRC de Carlos Sainz do vencedor Colin McRae, em Subaru Impreza, na emotiva edição
de 1998. O duelo durou inevitavelmente até à derradeira classificativa, ficando para a história por ter registado a mais curta diferença entre os dois primeiros em provas pontuáveis para o Mundial da especialidade. Classificado em nono da geral, Rui Madeira foi o melhor português num Toyota Celica GT 4.
TODOS DIFERENTES
Outra curiosidade interessante tem a ver com o facto de, desde 2014, que o vencedor do Rali de Portugal nunca é o mesmo que no ano anterior.
Em 2013, Sébastien Ogier e Julien Ingrassia (Volkswagen Polo R WRC) venceram a prova, repetindo o feito no ano seguinte, mas em 2015 foram os seus colegas de equipa Jari-Matti Latvala/Mikka Anttilla (Volkswagen Polo R WRC) a vencer, em Kris Meeke e Paul Nagle (Citroën DS3 WRC) aproveitaram o ano sabático da Citroën, que só realizou algumas provas do WRC, para vencer, aproveitando muito bem a ordem na estrada no primeiro dia, em 2017, já na Ford, Sébastien Ogier e Julien Ingrassia (Ford Fiesta WRC, 17) obtiveram o seu quinto triunfo em Portugal, mas nos dois últimos anos foi a vez de Thierry Neuville/Nicolas Gilsoul (Hyundai i20 Coupé WRC – 2018) e Ott Tänak/Martin Järveoja (Toyota Yaris WRC -2019).