Fórmula 1: O que fazer ao teto orçamental?

Por a 13 Abril 2020 11:41

Por José Manuel Costa

Agua mole em pedra dura, tanto dá até que fura, sendo o adágio perfeito para aquilo que se está a passar na Fórmula 1: os mais empedernidos já aceitaram falar sobre a redução do teto orçamental para uns mais ou menos razoáveis 100 milhões de dólares.

A conversa entre a Liberty e as equipas versou muitos assuntos e depois de uma primeira resistência dos “tubarões”, a seriedade da situação levou, numa semana, a mudança de atitude de todos os sentados á mesa das negociações. Embora mantendo-se mais ou menos inamovíveis sobre baixar dos 150 milhões de dólares, as equipas de topo aceitam o teto orçamental e algumas alterações às exceções.

Porém, a situação está a ficar preocupante e a McLaren acabou por ser a primeira das sete equipas baseadas no Reino Unido a pedir o “layoff” dos seus colaboradores, com o Governo britânico a pagar até um máximo de 2.500 libras por cada trabalhador. Mas já se sabe que a Williams aderiu ao mesmo sistema e reduziu salários de pilotos e equipa de gestão, a Renault, Haas e a Racing Point seguiram o mesmo caminho.

No entanto, temos de olhar com particular atenção para o facto da Mclaren ter assumido a ‘pole position’ no recurso ao ‘lay off’.

É um sinal muito preocupante, pois a formação de Woking é das mais ricas do segundo pelotão da Fórmula 1 com cerca de 750 colaboradores e um orçamento anual de 210 milhões de dólares. Ora, se a equipa mais rica do segundo pelotão da Fórmula 1 foi forçada a aderir ao ‘lay off’, imaginem o que se passa com a Williams e a Alfa Romeo, por exemplo.

Ou seja, tudo aquilo que referi anteriormente em termos orçamentais da Fórmula 1, mudou de face numa mão cheia de dias, deixando claro que o impacto do Coronavírus na Fórmula 1 é bem maior que o esperado, e que a crise está agachada à porta de muitas formações da Fórmula 1. O medo que o confinamento e a imobilização da competição junte miséria à incerteza e atira, com estrondo, para cima da mesa a discussão do teto orçamental.

Reunião discutiu a baixa do teto orçamental

Na passada semana, o estado maior da Fórmula 1 reuniu-se em vídeo conferência. Estiveram presentes Jean Todt, presidente da FIA, Chase Carey, CEO da Fórmula 1 e todos os responsáveis máximos das equipas. O ponto da situação é simples: o regulamento atual diz que o teto orçamental será de 175 milhões de dólares com um total de 20 exceções que não contabilizadas para esse limite, entre elas, os salários dos pilotos, os custos laborais dos três empregados mais caros, despesas de viagens e aluguer de motores. Ou seja, os 175 milhões de euros são uma figura de retórica.

A crise do Covid-19 abriu uma janela de oportunidade para encolher este teto e a verdade é que na hora da adversidade, todos concordaram que algo teria de ser feito, mas a manta continua curta para alguns. Se todos aceitam que se reduza, as equipas de topo – Ferrari, Mercedes e Red Bull – continuam teimosas e não aceitam baixar dos 150 milhões. E mesmo essa aceitação está condicionada ao adiamento das novas regras para 2023!

Do outro lado da barricada, as outras sete equipas querem reduzir e são radicais: o teto orçamental tem de cair dos 175 para os 100 milhões, sendo este o valor que deixa todos os ‘outros’ mais confortáveis. Curiosamente, Chase Carey e a Liberty já aprenderam muito desde que adquiriram a Fórmula 1, e sabendo das dificuldades que iriam surgir para chegar a um acordo, tinha desenhado um plano de contingência que tem inscrito no tópico “teto orçamental” 130 milhões de dólares.

Porque as equipas de topo não querem reduzir teto?

Não é uma pergunta de um milhão de euros, longe disso: Ferrari, Mercedes e Red Bull ganharam todas as corridas disputadas pela Fórmula 1 desde que em 2013, Kimi Raikkonen ganhou o GP da Austrália de 2013, ao volante de um Lotus. Não têm interesse nenhum – mesmo que isso os faça sangrar financeiramente – em reduzir o fosso orçamental e abrir um postigo para que uma das outras sete equipas possa ganhar corridas.

Se a Liberty tomar uma atitude salomónica – Ferrari, Mercedes e Red Bull ficam com um teto de 150 milhões, as outras sete equipas com 100 milhões de dólares – o fosso fica na mesma e continuarão a existir uma Fórmula 1 de ricos e pobres. Ainda por cima, as consequências desta crise sanitária e económica não vai atingir as equipas da mesma forma.

A Ferrari e a Mercedes estão sentadas em empresas sólidas que podem acomodar, facilmente, os prejuízos de 2020, o mesmo se passando com a Red Bull, cuja saúde financeira permite-lhe, juntamente com a Honda, encarar a situação com um sorriso.

Nas outras sete equipas, as coisas são bem diferentes e os danos de 2020 vão-se repercutir nos próximos dois anos, com a necessidade de ajustar os orçamentos e acomodar as perdas.

Se de um lado temos duas equipas milionárias porque têm, por trás, construtores com finanças sólidas e outra que vive da venda de bebidas energéticas, pouco afetadas pelo confinamento europeu, do outro temos mais uma formação apoiada por um construtor que, para já, tem umas finanças sólidas, mas conheceu os primeiros prejuízos em muitos anos em 2019.

As restantes seis equipas pertencem a bilionários, homens e famílias muito ricas que utilizam os seus recursos para manter as equipas a funcionar. E para esses a lógica é simples: quanto menor for o teto orçamental e sem diferenças para os três grandes, mais oportunidade têm de vencer e de justificar o seu investimento. É isso que Lawrence Stroll (Racing Point), Gene Haas (Haas), a família soberana do Bahrain (McLaren), Finn Rausing (Sauber), Brad Hollinger (Williams) e Dieter Mateschitz 8Alpha Tauri), procuram ao forçar a redução para 100 milhões de dólares do teto orçamental.

Há 10 anos, também houve uma crise

Não é preciso recuar muito no tempo para nos lembrarmos do resultado da crise que se iniciou em 2008, e que pouco tempo depois redundou na saída da Fórmula 1 da Honda, Toyota, BMW e Renault. Ou seja, estamos perante um ‘filme’ já visto, ficando por saber se o argumento se repete, ou se foram aprendidas algumas lições desde esse momento.

Curiosamente, nessa altura a Fórmula 1 viu entrar novas equipas, HRT, Virgin, mais tarde a Caterham, a Lotus regressou, mas algum tempo depois nenhuma se manteve. A Honda saiu no fim de 2008, a Toyota saiu um ano depois, em 2009, a Renault esteve na F1 até 2011, a Super Aguri foi vendida e passou a ser a Force India, a BMW saiu em 2009, ficando novamente como Sauber, a Brawn apareceu em 2009 dos ‘despojos’ da Honda venceu tudo nesse ano e foi comprada pela Mercedes, que é o que é hoje. A Lotus veio ocupar o lugar da Renault em Enstone, num processo que se reverteu novamente em 2016.

Ou seja, a Fórmula 1, baralhou-se, estabilizou, aproveitou o crescente bom momento económico, e com maiores ou menores dificuldades, chegou aos dias de hoje. Mas as coisas mudaram.

Esta crise causada pela COVID-19 é um furacão que tudo abana, e tudo está a ser posto em causa e é por isso que pode ser o catalisador certo para as mudanças que se impõem, já que até equipas bem suportadas financeiramente como a McLaren estão com problemas.

Ironicamente, a F1 pode sair bem mais competitiva desta crise. E como? Tudo depende da decisão da Liberty e da FIA quando ao teto orçamental. Imagine-se que o valor cai para 100 milhões de dólares, igual para todos, será que isso não vai equilibrar muito mais o plantel?

Mesmo que o valor se quede pelos 150 milhões, isso já irá igualar bastante mais o plantel do que está agora.

E há outro pormenor importante. Partindo do princípio que algumas das equipas mais debilitadas pode ter nesta crise a machadada final será que se souberem que o teto orçamental de 2021 lhe vai permitir ter condições para estar mais perto da frente não as vai motivar para tudo fazerem para ficar e aproveitar um potencial melhor ambiente para brilhar? Mas antes disso há que criar condições para ficarem na F1. E esse é o desafio.

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