Emiliano Ventura: “Como preparador, tenho que saber gerir a parte mental dos atletas”

Por a 11 Abril 2020 18:22

José Luís Abreu c/Gonçalo Cabral/16Valvulas

[email protected]

Emiliano Ventura é um performance coach, que nestes tempos de pandemia enfrenta uma nova realidade: Pilotos habituados a ‘viver a 1000’, de repente terem que estar ‘fechados’ em casa. Fomos saber a sua visão de tudo isto.

Emiliano Ventura é um performance coach, preparador físico e mental de atletas de alto nível, que há muitos anos trabalha, entre muitos outros com pilotos como António Félix da Costa e Tiago Monteiro. Pelas mãos já lhe passaram atletas como Daniel Ricciardo ou Daniil Kvyat, e depois de ter estado alguns anos na Honda, no WTCR, mudou-se para a Hyundai, na mesma competição. Tal como todos nós, enfrenta agora os desafios que esta pandemia de coronavírus colocou ao mundo e também ele se teve de adaptar a esta nova realidade, algo pelo qual os seus pilotos/atletas nunca passaram, aliás, como quase ninguém neste planeta. Por isso, fomos ver junto dele o que mudou e como está a trabalhar para se adequar à nova realidade.

Numa altura em que todos se preparavam para iniciar os campeonatos, veio a surpresa em forma de vírus: “Trabalhamos com atletas de Fórmula E, TCR, VLN, Fórmula 3, Fórmula 2, GT Open e Blancpain e entre estes muitos campeonatos a que estamos ligados, está tudo suspenso. Para já, ninguém sabe como vão ser os calendários competitivos de 2020, pois tudo o que é desporto, está parado” começou por dizer o performance coach, que explica como gere o físico e a mente dos seus pilotos numa altura destas: “Temos que levar em consideração que o mundo passa por uma crise global, esta pandemia vai durar algum tempo, e do nosso lado cabe-nos fazer a nossa parte, protegermos-nos e aos que estão à nossa volta, mas esta é também uma altura que traz algumas oportunidades às pessoas, de pararem, de se reencontrarem, traz oportunidades diferentes às empresas e as organizações e atletas, para se reorganizarem, com trabalho a partir de casa. A comunidade virtual, que cresceu nos últimos cinco ou seis anos de forma considerável tem neste momento uma estrutura suficientemente boa para permitir que todos possam estar interligados. Nunca ninguém viveu isto, muitas coisas são novas, e estamos a descobrir, há novas ideias, novas soluções e tudo irá ficar bem. Mas como preparador, tenho que saber gerir a parte mental dos atletas. É algo que deve ser levado em consideração, devido aos níveis de ansiedade, a toda a imprevisibilidade. Ninguém sabe o que vai acontecer e isso leva a níveis de ansiedade muito grandes. A resiliência é dos fatores mais importantes pois mostra que o atleta quer e vai ultrapassar esta fase.

Em termos físicos todos os pilotos já possuem com eles um kit que lhes permite trabalhar em viagem, fazem muitos voos, portanto estão habituados a treinar em hotéis, em casa. Para os que não têm, há kits de performance.

Nesta fase é importante as pessoas controlarem o peso, ocupar os dias de uma forma produtiva, e o Motorsport está-se a reinventar com as corridas online. Muitos já o faziam nos seus tempos livres mas nesta altura passa a ser o substituto da competição real, e as próprias marcas já há muito pedem aos seus pilotos que participem e que estejam a competir duma forma virtual”, disse Emiliano Ventura.

Manter a chama acesa

Num momento destes, sendo verdade que o ‘virtual’ ajuda um pouco a manter o foco, a competitividade, por outro lado há espaço para trabalhar outros aspetos: “essa é uma situação que depende de atleta para atleta. Todos eles têm necessidades diferentes, objetivos, e esta é uma boa oportunidade para trabalhar a parte mental, do foco, a concentração, a ligação à tarefa, a capacidade de se focarem no que se passa à volta de melhorar a coordenação.

Há sempre uma série de coisas que dá para fazer em casa, e claro há também o apoio de psicólogos, pessoas que podem ajudar. E depois tem muito a ver com o equilíbrio que as pessoas encontram no seu dia a dia. Neste momento e possível fazer uma agenda com parte física, mental, competição online, mas também há oportunidade de estar mais com a família e amigos, nem que seja de forma diferente, virtual, pois tudo isto é importante para manter a socialização nestes dias. É preciso que os dias passem, e de forma produtiva em todos os aspetos que integram a vida de um piloto/atleta. Depois, quando os campeonatos recomeçarem, os pilotos vão estar com capacidade para competir.

Aliás, até acho que vão estar todos com muita vontade de competir, sobretudo isso. Eu tenho a sorte de trabalhar com alguns dos melhores atletas do mundo e se há algo que é comum a todos eles é essa fome de competição e esse espírito competitivo, e isso só vai aumentar durante todo este período. Vamos ver, claramente, campeonatos ainda mais divertidos, ainda mais competitivos, e mais imprevisíveis”, explicou.

Interpretar a vida de forma diferente

Sendo verdade que quem faz parte da competição automóvel já está muito habituada à pressão, a uma vida muito intensa, em termos gerais, está muito ‘vacinada’ para contextos difíceis, este que vivemos é diferente de tudo o que passámos, mas Emiliano Ventura é de opinião que o ser humano sempre se adaptou a tudo o que lhe apareceu pela frente: “Quando falamos de pilotos ou outros atletas de alto nível, estamos a falar de pessoas com capacidade de gerir grande grupos, que falam várias línguas, engenheiros, mecânicos, uma equipa por trás deles, portanto estamos a falar com pessoas com capacidades acima da média, estão preocupados, mas também existe sempre muito otimismo e sabemos à partida que temos que transformar estes momentos em oportunidades.

A única coisa que se pode fazer é trabalhar, retirar o máximo que temos da situação que vivemos e aproveitar para obter outros ‘skills’ que podem ser uma vantagem no futuro.

Esta é se calhar uma oportunidade única para os obter. Portanto em termos de todos os fatores, quer os de performance imediata, quer de longevidade do atleta, quer o pós-carreira, neste momento têm que ser considerados todos os fatores e aproveitar estes momentos em que não existe sobrecarga de agenda para podermos encontrar formas de trabalhar. Tenho pilotos de Itália, da Hungria, Portugal, Holanda, EUA, todos têm culturas diferentes experiências diferentes, modos diferentes de estar na sociedade, mas eu acho que o mundo está unido nesta causa, a mensagem é comum até porque não há grande alternativa. Isolamento voluntário cumprirmos as recomendações das entidades de saúde pública. De resto, é muito importante manter tarefas, rotinas, salvaguardar tempo para a parte física, mental, social e nesse âmbito será uma questão de tempo para nos conseguirmos adaptar. Os humanos têm essa capacidade.

No fundo esta é mais uma oportunidade para prolongar uma pré-época, melhorar índices físicos, oportunidade para recuperar e curar alguns problemas que tenham tido ou pequenas lesões a ser tratadas, e tudo isso vai fazer com que estejam mais preparados e até poderá colocar todos os pilotos numa patamar mais idêntico quando recomeçar. Já os engenheiros têm mais oportunidades para estudar tudo o que aconteceu nas corridas, pois normalmente não tem tempo para ver tantos dados, fazer estudos sobre esses dados, tudo isto vai injetar uma possibilidade de aumentar o nível do desporto automóvel, e eu acho que quando estivermos de volta à competição, os pilotos vão ser mais fortes e é essa a nossa crença”.

Subscribe
Notify of
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments
últimas Autosport Exclusivo
últimas Autosport
autosport-exclusivo
últimas Automais
autosport-exclusivo
Ativar notificações? Sim Não, obrigado