Ayrton Senna faria hoje 60 anos: Quando o aluno bateu os ‘profs’ todos…
Temos muitas histórias para contar sobre a carreira de Ayrton Senna da Silva. entre muitos exemplos que pode ver hoje nesta seção Autosport Exclusivo, destacamos o dia em que aos comandos de um Mercedes 190 E bateu Niki Lauda, Elio de Angelis ou Alain Prost. Quando correu de Porsche 956 nos 1000 Km de Nürburgring, ou fez um teste com a Penske na Fómula Indy.
Ayton Senna era todos o sabemos, um ganhador nato. Para ele apenas havia um objetivo: estar na frente, vencer. Tudo mais, não importava. Nem sequer a forma como isso era conseguido, conforme tantas vezes na sua carreira fez prova. Uma dessas vezes foi em Nürburgring quando, ao volante de um carro inferior ao que estava habituado a pilotar, bateu todos os seus pares na F1.
Nessa altura, a Mercedes tinha acabado de lançar no mercado o 190 E e, percebendo o alcance mediático e comercial de o associar a outra estreia, a do circuito de Nürburgring, que regressava à F1 após 17 anos de ausência, embora remodelado, não hesitou em colocá-lo à prova numa corrida em que participariam a maioria dos pilotos de F1 de então, bem como alguns convidados ilustres.
Assim, de repente, Ayrton Senna viu-se numa grelha de partida que incluía nomes como Stirling Moss, John Surtees, Phil Hill, Jack Brabham, James Hunt, Klaus Ludwig, Carlos Reutemann, e também os seus bem conhecidos Niki Lauda, Jacques Laffite, Elio de Angelis ou Alain Prost. Aliás, foi o próprio Prost quem o levou desde o aeroporto e foram conversando animadamente, durante os mais de 100 quilómetros da viagem, enquanto o francês conduzia a 240
km/h na autoestrada. Mais tarde, Prost descreveu-o como “um rapaz muito tímido”.
Na corrida, o ‘rapaz tímido’ ficou na primeira linha, mesmo a seu lado. E, mal começou a corrida, começou também um dos maiores duelos de que houve memória – e o primeiro entre ambos. No final das 12 voltas, Senna ganhou, batendo Lauda e Reutemann; Prost foi apenas 11º classificado, iniciando desde logo aquilo que os iria juntar e separar para sempre: “Senna queimou a largada” – confessou, em Março de 2003. Antes, tinha garantido ao seu amigo Nigel Roebuck que Senna o tinha tentado atirar para fora da pista, a meio da primeira volta. Em resultado, o francês comentou, anos depois, que “Senna não me queria vencer. Ele sempre quis me destruir.”
Porsche 956: chegou, viu e deixou marca inesquecível
15 de julho de 1984. Dia dos 1000 Km de Nürburgring, prova válida para o Mundial de Sport-Protótipos. Ayrton Senna queria ficar a conhecer a pista onde, meses mais tarde, iria disputar o GP da Europa de F1. Sem testes previstos ali com a Toleman, pediu ao seu amigo Domingos Piedade, então diretor desportivo da equipa Jöest para o ajudar a encontrar um carro competitivo para aquela prova. Domingos nem hesitou: correu para o dono da equipa, Reinhold Jöst e disse-lhe que tinha ali um novo brasileiro disponível para correr num dos Porsche 956.
“Outro brasileiro? Quanto paga?” – perguntou o alemão. “Não paga e nem o quer fazer. Mas se te indico um novo piloto, é porque ele é bom e podes confiar em mim.” E pronto: ficou logo decidido que Senna iria dividir com Henri Pescarolo e Stefan Johansson o chassis 104, com o número 7 e pintado com amarelo-negro-branco da marca francesa de “jeans” New Man. No dia da prova, chovia torrencialmente e, nessas condições, Senna detinha a volta mais rápida, mas o carro atrasou-se com problemas diversos e acabou classificado em 8º lugar. Nessa altura, Senna já lá não estava – mal terminou o seu turno, voou para Inglaterra. Mesmo assim, deixou a sua marca: com um carro que nunca tinha guiado antes, “foi exuberante”, conforme disse depois Piedade: “Nas 65 voltas em que pilotou o carro, foi simplesmente o mais rápido em pista, batendo senhores como [Stefan] Bellof, [Jacky] Ickx, [Jochen] Mass, [Derek] Bell, [Henri] Pescarolo, [Manfred] Winkelhock, [Thierry] Boutsen, [Riccardo] Patrese ou [Bob] Wollek”, que tinham mais de 10 mil quilómetros ao volante do 956.
E foi o próprio Wollek quem, ainda estupefato afirmou: “Quando ele chegou à pista, nem sequer sabíamos quem era. Nunca dele tínhamos ouvido falar. Mas, vendo-o adaptar-se imediatamente a um carro tão pesado, tão difícil de pilotar e de levar ao limite, depressa percebemos que estávamos perante alguém que iria ser muito famoso.” Até Reinhold Jöest não queria acreditar no que estava a ver, ao olhar para a análise completa e detalhada que Senna lhe deu sobre o comportamento do carro, os seus defeitos e o que era preciso fazer para os corrigir. Chamou de parte Domingos Piedade e disse-lhe: “Este Senna, temos que lhe dar já um contrato, para o pormos a correr neste campeonato [de Protótipos] e na América [no IMSA].” Impávido, o português replicou: “Mas tu não percebes? Nos Protótipos, Senna correu esta vez e nunca mais vai voltar!” E não voltou…
O deslumbre do lado de lá
Em finais de 1992, Ayrton Senna estava tão desmotivado, que chegou a equacionar a sua mudança para outro campeonato. E quando, num jantar em São Paulo, o seu amigo Emerson Fittipaldi o provocou, propondo-lhe um teste ao seu Penske de Fómula Indy, Senna não hesitou nem um segundo: “Puta meu! Eu vou!” E foi. Ambos chegaram a Firebird, um circuito misto no Idaho, onde iria ter lugar o primeiro de dois testes de ‘Emo’ ao carro de Roger Penske, que já tinha sido avisado de que Ayrton queria testar o carro: “Sem compromisso.” O veterano norte-americano aceitou, mas com uma condição: “Ele pode rodar no misto. Na oval, isso não. É muito rápida e ele pode se magoar.”
Ao mesmo tempo, Senna ligou a Jo Ramirez, da McLaren, que estava em Inglaterra, avisando-o da sua decisão e pedindo-lhe que enviasse o seu fato de competição, as luvas e o capacete. O mexicano não foi de modas: “Não mando porra nenhuma!” E não mandou! Por isso, quando Senna se sentou no cockpit do Penske 92/Chevy, no dia 20 de Dezembro, vestia o fato de Fittipaldi e tinha um dos seus capacetes. Não foi fácil, pois o banco era demasiado grande para Ayrton e os mecânicos da equipa tiveram que encher o cockpit com almofadas para que o seu corpo não ficasse a dançar lá dentro. Mesmo assim, na segunda volta, já estava a rodar quase ao mesmo nível de Fittipaldi – apesar de há muito tempo que não pilotar um carro com caixa de velocidades manual. Nas boxes, com um sorriso rasgado, Senna deu a sua primeira explicação: “Pensava que o carro iria ser muito duro, mas a suspensão é mais mole que na F1. E o carro avisa do que vai fazer. É muito divertido de guiar!”
Emerson Fittipaldi, que tinha confessado o seu sonho de um dia estar na mesma grelha de partida das Indy 500, lado a lado com Senna, não evitou uma lágrima furtiva. Mais tarde, lamentou que Senna apenas tivesse podido rodar ali, naquele circuito “muito travado. A curva mais rápida era feita a 160 km/h. Era quase um kartódromo!” Depois disso, Ayrton e Emerson voaram para a oval de Phoenix, no Arizona, uma pista violenta e rápida. Aqui, Senna não rodou. Mas, com o ex-piloto Rick Mears como companhia, foi para o muro na saída da Curva 1, onde se colocou mesmo junto ao cimento, a centímetros do local em que os carros passavam a mais de 290 km/h. A primeira vez que passou ali e viu aqueles olhos mesmo ‘em cima’ do seu capacete, Fittipaldi teve um “puta susto”, como ele depois confessou. Por sua vez, Senna apenas disse duas palavras, quando voltou às boxes: “Que loucura!” A sua ‘loucura’ americana terminou ali, nesse dia e para sempre, até porque nunca escondeu que, apesar de toda a adrenalina sentida nessa altura, ele odiava as pistas ovais.