Ayrton Senna faria hoje 60 anos: Coleção de cromos diabólicos
Ayrton Senna era um piloto agressivo, que nunca admitia ser ultrapassado. Muito cedo começou a sua coleção de cromos diabólicos particular. Ainda no ‘karting’, diga-se de passagem. Ouviam das suas ou, pior anda, sentiram literalmente na pele a sua proverbial necessidade de ganhar sempre e o seu incrível mau feitio quando perdia ou era simplesmente ultrapassado.
Na Fórmula Ford 1600, os seus inimigos foram dois latinos – o mexicano Alfonso Toledano e o argentino Enrique Mansilla. Os três envolveram-se em lutas tão heroícas, como pelejas escusadas, que terminavam muitas vezes em situações quase físicas, nas boxes. Ao ponto de, a certa altura, a fleumática imprensa britânica perder a paciência e chegar-se a referir com algum desconforto, a três jovens “com um talento notável mas que pilotavam como selvagens.”
Na Fórmula Ford 2000, o ‘alvo’ foi Calvin Fish, mas foi a partir da F3, onde encontrou Martin Brundle, o primeiro piloto a batê-lo com armas praticamente iguais, que os olhos do Mundo descobriram o ‘outro’ talento de Senna: fazer inimigos de estimação ao mesmo ritmo com que ganhava as corridas.
Na Toleman, as suas relações com Johnny Cecotto foram praticamente inexistentes: Senna simplesmente ignorava-o – ao ponto de, após o seu acidente em Silverstone, que o afastou das pistas, nunca mais ter procurado o seu primeiro colega de equipa que não lhe perdoou jamais o ‘esquecimento’.
Ainda na Toleman, ‘pegou-se’ mais que uma vez com o impecável Michele Alboreto, a primeira quando resistiu a ser dobrado pelo então piloto da Ferrari, em Zolder, logo na sua terceira corrida de F1. E até o polido e sofisticado Elio de Angelis, seu colega na equipa Lotus, perdeu a paciência depois de uma manobra menos correta de Senna, em Kyalami, em 1985: nas boxes, furioso, chegou ao pé de Senna e deu-lhe um empurrão; o brasileiro não quis saber do irado italiano e afastou-se, com um olhar de enfado…
Lendários ficaram os encontros com Alain Prost, mas não menos mediáticos foram os confrontos – que só não foi físico, porque ambos foram afastados por um mecânico da McLaren – com Michael Schumacher, em 1992, depois deste lhe ter feito um brake test à entrada do Stadium, em Hockenheim a mais de 300 km/h, levando Senna, enfurecido, a passar as longas retas a tocar rodas com rodas no Benetton, como retaliação… claro que também a mais de 300 km/h!
Antes disso, em Magny-Cours, depois de um pião em sintonia de ambos, quando Schumacher o quis passar, já Ayrton tinha entrado nas boxes da Benetton de dedo em riste, correndo para o alemão. E a cena de pugilato com Eddie Irvine, no GP do Japão de 1993, também é inesquecível, depois do irlandês, que se estreava, ter respondido, de forma arrogante e mal educada, aos seus pedidos de justificação por ter decidido “desdobrar-se” de Senna, durante a corrida. Mais caricata foi a cena que protagonizou com Jean-Louis Schlesser, que o atirou para fora da pista, quando liderava o GP de Itália: depois da corrida acabar, quase a chorar, o francês dirigiu-se a Senna, pedindo-lhe desculpas, mas sem nunca admitir o erro… Ayrton, olimpicamente ignorou-o e partiu para outra.
Onde se fala de veados e de outros que tais
O dia 8 de Março de 1988 ficou cravado a ferro e fogo na longa lista de inimizades cultivadas por Ayrton Senna. E esta foi de luxo: nada mais que Nelson Piquet, com quem já vinha tendo arrufos desde há algum tempo. Nesse dia, em Jacarepaguá, Piquet foi confrontado com os cabeçalhos de jornais, aos quais Senna teria dito que se tinha afastado “para dar aos outros a chance de aparecerem.” De imediato os jornalistas definiram esses ‘outros’ por Piquet, o que deixou enfurecido o piloto da Lotus. Na realidade, Senna nunca falou do nome do seu ‘inimigo’ de estimação e garante que simplesmente se referiu à sua necessidade de ir uns tempos de férias para o seu refúgio em Angra dos Reis por se sentir cansado e precisar de recarregar as baterias.
Mas, bem no seu estilo de partir a loiça toda, Piquet não quis saber de nada disso. Pegando num jornalista que passeava pelo paddock da pista, botou a boca no trombone, dizendo para quem o queira ouvir que “ele [Senna] foi embora para não explicar porque não gosta de mulher.”
Surpreendido, o jornalista [Eloir Maciel, do JB] ainda tentou fugir ao assunto: “Nelson, isso é sério. Se você disser, eu publico!” Piquet, cada vez mais raivoso, explodiu: “Pode publicar. Não vou dizer que ele é veado porque não tenho como provar. Mas posso dizer que ele não gosta de mulher.” E, chamando a sua companheira de então, Katerine Valentim, exigiu-lhe: “Diz aí quantas vezes você quis sair com o Ayrton e ele não quis.” A modelo, que até tinha sido em tempos namorada de Senna, embatucou e saiu de fininho.
A ‘notícia’ foi publicada em grandes parangonas no dia seguinte e o sangue que fez entre aqueles dois brasileiros foi tal que nunca mais se falaram.
Inclusive, Senna nunca mais se referiu a Nelson Piquet pelo nome e chegou a sair de restaurantes em que tinha mesa marcada para jantar, ao ver do
outro lado da sala o “indivíduo”, como ele passou a chamar Piquet.