Fórmula 1: Um dia negro em Melbourne

Por a 13 Março 2020 13:33

A sucessão de acontecimentos que fomos vendo durante o dia de ontem em Melbourne são o exemplo de como não lidar com uma situação deste género.

A F1 é considerada por muitos, um dos maiores desportos do mundo, sem dúvida aquele que alia tecnologia, capacidade humana e emoção, numa mistura que não se encontra em mais lado nenhum. Na F1 trabalham algumas das mentes mais brilhantes do mundo, capazes de nos espantar com a sua imaginação e capacidade técnica. Competem alguns dos melhores desportistas do mundo, aliando capacidade física à capacidade mental e ao talento inato de decidir em frações de segundo. Mas é este mesmo desporto que, de tempos a tempos, nos brinda com situações que roçam o inacreditável, com decisões que nos fazem questionar toda a lógica e o rótulo de desporto de topo.

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Uma confusão tremenda

O sentimento de revolta e confusão era grande no paddock da F1, depois do anúncio de um membro da McLaren ter dado positivo no teste de despistagem do COVID-19, a pandemia que nos afeta a todos globalmente. Martin Brundle, comentador da Sky Sports dizia no seu Twitter “Se não sabem o que se vai passar em Melbourne… juntem-se ao clube”. A própria Sky meteu os pés pelas mãos ao anunciar que o GP ia acontecer, para depois dar o dito por não dito. Não significa que os jornalistas tenham feito mal o seu trabalho… é apenas a prova que a confusão que reinava era grande.

E no final, quem tinha razão era Lewis Hamilton… quem manda é o dinheiro e terá sido o dinheiro a forçar as equipas as ir para a Austrália, numa fase em que grandes competições cancelavam eventos de forma sucessiva. Chegados a Melbourne o inevitável aconteceu e o surto de Coronavírus tornou-se numa presença indesejada mas real. A lógica dizia que a festa não podia seguir e as notícias que chegavam pareciam confirmar isso. Mas o mundo dos negócios nem sempre se rege pela lógica.

Jogo do empurra

Seguindo os registos de vários jornalistas consagrados (Mark Hughes, Scott Mitchell, entre outros) é possivel ver o grau de frustração e a confusão que se instalou. A notícia da desistência da McLaren foi o catalisador das discussões entre equipas. A Ferrari, Renault e Alfa Romeo já tinha mostrado vontade de fazer o mesmo e abandonar. A FIA, naquele momento, não podia fazer nada pois apenas se menos de 12 carros fossem para a pista poderia cancelar o evento. A decisão estava nas mãos das autoridades locais. A FIA, mesmo que quisesse cancelar, teria de enfrentar as consequências económicas da quebras de vários contratos celebrados, algo que não queria fazer.

Chegou-se a um ponto que as autoridades locais não achavam ser necessário cancelar o evento, a FIA não quis puxar o gatilho, os promotores locais tinham interesse em que a prova acontecesse e a Liberty, que recebe muito dinheiro por levar o Grande Circo a Melbourne e tendo em conta a situação atual, teria em mente pelo menos garantir esta prova, já que as restantes estão na “corda bamba”. E acima de tudo, ninguém queria ficar com a responsabilidade do cancelamento.

Assim, foram as equipas que tiveram de assumir a liderança e sentar-se à mesa para discutir se a corrida seguia ou não. Na primeira votação houve empate, com as equipas acima referidas a manter a vontade de ir embora e do outro lado a Red Bull, Alpha Tauri, Racing Point e Mercedes a querer correr. Haas e Williams abstiveram-se. As negociações foram duras e, se as equipas não se entendiam, a FIA, a F1 e os organizadores locais não queriam assumir a responsabilidade, que implicaria assumir a conta.

A Mercedes mudou de ideias e passou para o campo das equipas que queriam terminar a corrida, mas o anúncio do cancelamento não podia ainda ser feito, pois os organizadores locais, que recebem fundos do estado de Vitória, dependiam da autorização do estado para fazer esse comunicado.

Chegou-se ao ponto que umas equipas preparavam-se para ir embora, outras treinavam paragens nas boxes, pilotos já tinham abandonado o país, o staff da Pirelli ficou no hotel e o público começava a chegar aos portões (depois dos organizadores afirmarem que a prova iria acontecer), que não abriram, pois as autoridades locais declararam depois que o evento teria de acontecer à porta fechada ou não acontecer de todo. Mais uma vez foram as equipas a forçar a situação com os comunicados a afirmar que pediram a FIA para cancelar o evento, o que desencadeou a confirmação da FIA.

Seguiu-se uma conferência de imprensa com a FIA, representada apenas pelo diretor de prova, a F1 e os promotores locais, a uma distância de segurança de um mar de jornalistas que se amontoava para ouvir as explicações dos responsáveis por este episódio, um exemplo do que não se deve fazer nesta fase.

Uma lição para o futuro

Ainda não é certo quem irá acarretar com as responsabilidades do cancelamento. As únicas coisas que são certas é que este caso foi mal gerido e a F1 não ficou bem na foto. Numa altura em que se exige contenção e restrição de contacto social, querer levar avante uma prova em que membros do staff estão infetados, colocando em risco outros membros, parece pouco sensato. Dizer ao público que os portões irão abrir normalmente e ficar com um mar de gente à espera da dita abertura que nunca aconteceu é grave. Demorar 32 horas para tomar uma decisão, num vai e vem de notícias, quando outros campeonatos decidiram de forma clara e inequívoca cancelar ou adiar eventos, mostra um lado da F1 que não gostaríamos de ver. Ficou patente uma falta de liderança e de coragem para decidir. A decisão nunca seria fácil, mas teria de ser tomada.

Merece destaque a McLaren que desde início fez o que se impunha e saiu de cena, independentemente do que aconteceria a seguir. Uma decisão sensata.

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O que se segue?

O provável cancelamento ou adiamento das provas até que a situação fique normalizada. Fala-se já que o regresso acontecerá apenas no ou depois do GP do Mónaco. Para já o Bahrein e o Vietname já foram adiados e se não tivessem sido até ao momento em que se escreve este texto, não iria acontecer, uma vez que Ferrari, Mercedes e Renault não queriam lá ir, nem mesmo fornecer motores. O futuro permanece incerto, falando-se que a habitual pausa para o verão pode receber as provas que não se realizaram, o que não deixa de ser um desafio logístico tremendo, faltando saber se é de facto possível. Outros rumores dizem que a época pode ser alargada até 2021, adiando a entrada em cena dos novos regulamentos para 2022.

As repercussões para o desporto podem ser grandes, mas nada é mais prejudicial do que a imagem que foi deixada ontem.

Uma lição que tem de ser aprendida.

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