Thierry Neuville estreia-se a vencer o Rali de Monte Carlo
José Luís Abreu com Martin Holmes
FOTOS @World/André Lavadinho/Martin Holmes Rallying
Finalmente! Depois de ter estado muito perto em diversas ocasiões, nomeadamente em 2017, quando chegou a ter um minuto de avanço para Sébastien Ogier e em 2019, quando lutou até ao último metro da prova, perdendo por 2.2s, desta feita Thierry Neuville e Nicolas Gilsoul venceram e convenceram, num Monte Carlo marcado pelo terrível acidente de Ott Tanak e Martin Jarveoja, e também pela estreia convincente de Sébastien Ogier e Elfyn Evans na Toyota, que terminou com um duplo pódio.
Como é habitual com o Rali de Monte Carlo, o Mundial de Ralis de 2020 arrancou em grande, depois duma prova muito competitiva em que houve um pouco de tudo. Não se sentiu a falta da Citroën, e depois de se ter perspetivado uma luta a três pelo título de 2020,o primeiro sinal ‘diz’ que tem que se contar também com Elfyn Evans na equação, já que o galês, na sua prova de estreia com a Toyota, deixou sinais muito positivos, levando a luta pelo triunfo até ao penúltimo troço.
Tínhamos dito que se vencesse Elfyn Evans, seria uma boa surpresa, se fosse Sébastien Ogier a consegui-lo, igualaria o recorde de sete triunfos de Sébastien Loeb, mas se vencesse Thierry Neuville, seria uma pequena ‘vingança’. Ora aí está, finalmente a merecida vitória em Monte Carlo.
Há um ano, Sébastien Ogier bateu Thierry Neuville por 2.2s naquela que foi a mais equilibrada batalha da história do Rali de Monte Carlo.
À entrada do último dia da prova deste ano, tínhamos três pilotos separados por apenas 6.4s, mas a prestação de Thierry Neuville e Nicolas Gilsoul no último dia foi perfeitamente arrasadora.
A prova ficou claramente marcada pelo aparatoso acidente de Ott Tanak e Martin Jarveoja, que se safaram de boa ao saírem de estrada a 180 Km/h, tendo tido a sorte de não baterem em nenhuma árvore demasiado ‘forte’ pelo caminho, e nem mesmo uma queda de uma ravina com cerca de 25 metros, qualquer coisa como um prédio de quatro andares, os lesionou gravemente, saindo ambos do carro pelos seus meios, ainda que, naturalmente, algo ‘chocalhados’.
Outro ponto muito positivo desta prova foi o quarto lugar Esapekka Lappi, que na sua estreia com a M-Sport deixou claro que pode fazer bem melhor este ano do que fez o ano passado com a Citroën. Outro grande destaque é o quinto lugar de Kalle Rovanperä, na sua estreia no WRC, e logo no Rali de Monte Carlo. Notou-se que o jovem está a dar os passos certos, da forma certa, com poucos exageros mas já a um nível muito elevado.
No pólo oposto, Sébastien Loeb, que cometeu erros a mais numa prova em que ninguém tem mais experiência que ele, ficando provado que nem os melhores são capazes de fugir a todas as armadilhas do Monte Carlo. É certo que ainda compete a um nível muito elevado, mas a idade não perdoa e já não tem ritmo para acompanhar os homens da frente. Vamos ver na Suécia, pois ao completar este Monte Carlo, talvez ligue o chip e tudo corra melhor no gelo sueco.
Grande rali
Os ralis são como os melões, nunca se sabe muito bem o podem dar até se ‘abrirem’, mas este Rali de Monte Carlo foi muito interessante a vários níveis. A prova mudou de líder sete vezes, embora só tenha havido três equipas a ganhar troços. No final do segundo dia de prova (sexta-feira), os três primeiros estavam separados por 6.4s exatamente o mesmo tempo que separava os três primeiros no final do terceiro dia (sábado). Uma curiosidade interessante que mostra bem a competitividade da prova na frente. Mas não foi só aí, já que a luta pelo quarto lugar também mudou já no último dia com Lappi a passar Loeb, e com Rovanpera a aproveitar para fazer o mesmo.
A vingança de Neuville
Thierry Neuville entrou no rali completamente ao ataque, ao ‘dar’ em dois troços, 19.1s à concorrência mais próxima. Curiosamente, o dia seguinte, sexta-feira, não lhe correu bem, revelando que a as notas e a comunicação com a sua equipa de batedores (Dani Sordo) foi um pouco complicada. Mas reagiu bem no sábado, onde ganhou três dos quatro troços do dia, curiosamente ficando com os mesmos 6.4s de atraso que tinha no início do dia. De qualquer forma, teve um dia bem melhor, pois esteve muito mais confortável com as alterações que fez no carro, e pode atacar mais sem aumentar os riscos.
A ligação ao seu batedor de ocasião, Dani Sordo, também melhorou muito e apesar de não ter recuperado nada no sábado, ficou a uma distância perfeitamente recuperável, e no dia decisivo, bastaram-lhe dois troços para chegar à liderança, colocando-a em 11.1s antes da PowerStage, chancelando aí, praticamente, o triunfo, que confirmou ao vencer também a PowerStage, que empatou com Ogier: “O objetivo era tentar ganhar esta prova e vingar-me da derrota do ano passado. Sabe muito bem agora, era algo por que lutávamos há muito tempo, o Rali de Monte Carlo é daqueles eventos históricos que todos querem ganhar. Conseguimo-lo, e esta é a melhor forma de começar a época, mas a pior para o Rali da Suécia, sabíamos disso, mas quisemos dar tudo o que podíamos”, disse Neuville.
Cauteloso, Mr. Ogier
Sébastien Ogier e Julien Ingrassia terminaram em segundo a prova depois de passarem no último troço os seus colegas equipa, Evans/Martin. Depois de seis triunfos no Rali de Monte Carlo, alguma dia o francês tinha que perder, e esta era a oportunidade perfeita para que isso acontecesse, já que tal como Ogier disse no final: “Não senti confiança no carro para atacar mais. Todos esperam muito de mim devido a ter já vencido tantas vezes antes, mas a verdade é que quando tens um novo carro nunca é um desafio fácil. Não é fácil uma mudança de equipa.
Este carro tem potencial, pode ser rápido, mas neste momento eu ainda não consigo extrair dele tudo o que é possível e honestamente terminar no pódio é muito positivo”, disse Ogier. Tem razão, um pódio na estreia com a Toyota não é mau, mas para quem tinha vencido os seis últimos Rali de Monte Carlo, também não é bom.
Notou-se que foi sempre muito cauteloso durante o rali, nunca correu demasiados riscos, mas às vezes foi demais: “no último troço do dia (PE12), perdi 10s em quatro quilómetros de gelo, é muito”. Chegou ao final do dia perto da liderança, conseguiu passar Evans, mas Neuville foi muito mais forte que os dois homens da Toyota e Ogier, se cumprir o que diz, ‘reformar-se’ no fim do ano já não vai conseguir igualar Loeb, que venceu sete vezes o Monte Carlo.
Soube a pouco
Elfyn Evans e Scott Martin tiveram uma grande estreia com a Toyota. Não se esperava tanto da dupla, mas o galês mostrou que o tempo perdido o ano passado a recuperar da lesão nas costas do Rali da Estónia, já lá vai. No segundo dia, lideraram o rali durante quatro especiais, terminando essa etapa a 1.2s de Ogier, mas liderava no final da manhã, e a diferença fê-la nos riscos que correu ao perceber que as notas que tinham dos batedores estavam erradas, e com o sol a brilhar bem nos Alpes franceses, havia que ler bem a estrada, perceber onde havia sombra (aí o gelo negro poderia manter-se) e onde o sol ‘batia’, acreditar que podia passar bem mais depressa. Apanhou alguns sustos, arriscou, mas correu bem.
No dia seguinte, teve sorte com a saída na PE12, mas começou o dia 1.2 atrás de Ogier e terminou-o 4.9s à frente.
Para a Toyota, dois novos pilotos na equipa, 1-2 no final do 2º dia separados por 4.9s, na frente de Akio Toyoda.
Contudo, no dia decisivo, algo mudou e não foi só a prestação arrasadora de Neuville. Talvez lhe tenha faltado confiança, mas a verdade é que talvez tenha preferido assegurar o pódio do que arriscar o resultado: “Estava feliz até ontem, à noite, mas não posso dizer que esteja feliz agora. Não sei porquê, hoje não dei o ‘click’”, disse.
O melhor de sempre
Esapekka Lappi/Janne Ferm foram quartos classificados, e tiveram uma bela estreia com a M-Sport. Aproveitou bem o rali menos bom de Loeb para recuperar de um atraso de cerca de um minuto, e passou o francês, alcançando o seu melhor resultado de sempre no Monte Carlo. Cedo se percebeu que a ligação estava a ser boa, mas o rali começou muito mal para a equipa, em termos gerais. As coisas foram melhorando ao longo do rali, e quando tudo se juntou melhor, passámos a ver um Lappi feliz como nunca esteve o ano passado. O seu nível de confiança foi subindo ao longo do rali, e na verdade bastou-lhe uma prova para deixar a cara de zangado que tanto o definiu o ano passado. Um bom começo de época, depois do desapontamento de sexta-feira: “sábado de manhã ainda não era onde queria estar, mas aprendi muito do carro durante todo o fim de semana o que é muito importante para o futuro”, disse.
Muito bom, para começar
Kalle Rovanpera é como o algodão, não engana. A rapidez está no seu ADN, está a chegar lá, e rapidamente. Já sabíamos que ir ser bom, está a aprender, mas seja como for fez uma prova impressionante, naquele que é o Rali mais difícil para uma estreia no WRC. Curiosamente, apesar de ser a primeira vez no Monte Carlo, por vezes parecia não estar contente, o que diz muito para onde vai.
Não cometeu muitos erros, por vezes confessou poder fazer melhor, mas esta prova não era ideal para arriscar, já que as probabilidades de sair de estrada são muito maiores do que em qualquer outro rali. É que em nenhum outro as condições da estrada mudam tão abruptamente.
“Podia ter feito melhor, quero sempre melhor, mesmo com a experiência que tenho, mas aprendi muito este fim de semana, por exemplo como usar o carro da melhor forma em diferentes condições dos troços. Havia muitas zonas que eu não imaginava qual seria a forma mais rápida de passar por ali. De qualquer forma, não corremos muitos riscos. Fiz o que devia sem cometer erros. Em resumo, estou muito feliz, foi um bom fim de semana, aprendi muito e agradeço à equipa. Foi bom ter começado assim.”
Nem parecia Loeb
Foi um rali muito estranho para Sébastien Loeb e Daniel Elena. A maior conclusão que se tira desta prova é que a condições complicadas dos troços do Rali de Monte Carlo podem surpreender qualquer um, mesmo um sete vezes vencedor do Monte Carlo e nove vezes Campeão do Mundo de Ralis: “No primeiro dia não consegui acompanhar o ritmo à minha frente, e depois disso não valia a pena correr riscos. As condições dos troços foram difíceis de ‘ler’, a aderência mudava quase constantemente, em termos gerais tentei manter-me seguro, mas mesmo assim cometi vários erros.” No último dia de prova, tudo piorou ainda mais. Ficou sem pneus, pois esperava mais gelo na estrada, teve nova ligeira saída, e teve que se empurrado para a estrada. Só aí, desceu de 4º para 6º: “Não correu bem, não foi certamente o meu melhor rali. Com os pneus completamente desgastados, cometi um erro e perdi posições”.
Bom rali
Takamoto Katsuta/Daniel Barritt (Toyota Yaris WRC) terminaram a prova em sétimo, no que foi em termos globais um bom rali. Claro que sofreram. Se esta era uma prova difícil para os pilotos experientes, imagine-se para ele. Por isso, ver o que fez neste rali é positivo, naquele que foi apenas o seu terceiro rali num World Rally Car. Melhorou em três posições a sua melhor classificação no WRC: “Pude ver o progresso que fiz desde o início até ao fim do rali. Já não tínhamos pneus, antes da última etapa, por isso precisei de ter ainda mais cuidado”.
Mau rali para a M-Sport
Teemu Suninen/Jarmo Lehtinen (Ford Fiesta WRC) terminaram o Monte Carlo na oitava posição depois de terem começado a prova muito mal, com uma falha de transmissão, naquele que foi um começo de rali muito difícil para a M-Sport Ford World Rally Team. Os motores dos Ford Fiesta WRC sobreaqueceram devido às folhas que ficaram presas na grelha e que impediram o necessário fluxo de ar para o radiador.
Os três Fiesta perderam tempo, Lappi foi quem se ‘safou’ melhor. Suninen esteve em 55º, terminou em 8º, por isso andou bem.
Como se não bastasse, Gus Greensmith e Elliott Edmondson tiveram um problema no turbo, no segundo dia foram surpreendidos por uma placa de gelo, e caíram num buraco… a 5 Km/h e de traseira, depois dos pneus não terem conseguido tração. Um ‘despiste’ em câmara super-lenta.
Depois disso, para piorar, nem sequer conseguiram ter o carro nos 60 melhores classificados, os únicos que disputam a última etapa no Rali de Monte Carlo. Eram 66º.
Bem haja, FIA, pela segurança
Por fim, resta falar de OttTanak e Martin Jarveoja, que atiraram com um Hyundai i20 WRC para a sucata, mas saíram ilesos de lá de dentro, o que foi um grande alívio para todos, e por isso não podemos deixar de referir o fantástico trabalho que a FIA tem feito em prol da segurança dos carros. Óbvio que é sempre necessário um pouco de sorte, pois não bateram em nenhuma árvore grande demais, mas aquela queda de 25 metros ribanceira abaixo e ver que o i20 WRc ficou com o roll bar intacto, é um belo trabalho de construção o que as três equipas fazem nos seus carros. De qualquer forma, sair de estrada a 180 Km/h não é o mais aconselhado e Tanak não se ter apercebido daquela lomba nos reconhecimentos é um bom exemplo da importância de perceber que passar em treinos a 50 ou 70 é muito diferente de quando se passa em prova a 170 Km/h.
Em resumo, um novo vencedor pela primeira vez em sete anos no Rali Monte Carlo, e apenas o terceiro piloto diferente a ganhar o evento (no WRC) desde 2007. Na sua nona tentativa no evento, Thierry Neuville chegou à liderança somente no último, foi o mais rápido nos quatro troços, ganhou a Power Stage por 0.016s segundos e garantiu a pontuação máxima na prova de abertura do WRC 2020. Neuville, que era o #11, vence o Monte Carlo na sua 111ª participação no WCR.
No ano passado, terminou em segundo lugar por apenas 2,2 segundos. Este ano a vitória foi de Neuville por 12,6 segundos, superando o seis vezes vencedor deste evento, Sebastien Ogier, com o seu companheiro de equipa na Toyota, Elfyn Evans, depois de terem liderado nos seus Yaris WRC 11 dos 16 troços.
Foi um início esplêndido para a nova temporada, com a liderança a mudar sete vezes. Depois de dizer adeus ao WRC, a Citroën ‘limpou’ as duas competições de R5: WRC 2 e WRC 3. O WRC3 foi ganho por Eric Camilli e a categoria profissional (WRC2) foi vencida por Mads Ostberg, ambos a conduzir um C3 R5. Venha o Rali da Suécia.