WRC visto por Mário Castro: “Tanak foi o único que se nivelou pelo Ogier…”
Agora que temos outra prova do WRC à porta, recordamos uma conversa que tivemos com Mário Castro, navegador de Pedro Meireles no CPR, e também ele piloto de ralis. Portanto, alguém excelente para nos dizer o que concluiu tendo em conta o que viu. A perceção de alguém que anda também ‘lá dentro’, tem um grande valor, e certamente vai ficar nas próximas linhas a compreender um pouco melhor o que vê.
Hoje em dia o WRC é a única competição de nível mundial
que pode ser vista pela TV de fio a pavio. A tecnologia hoje permite que os
adeptos sigam todos os troços em direto, com comentários de gente experiente
que sabe o que está a ver, e por isso os adeptos ‘hardcore’ do WRC já têm uma
ideia muito formada do que valem os carros, pilotos e equipas, mas não há nada
como uma voz experiente para nos levar ainda mais longe.
Mário Castro, navegador de Pedro Meireles no CPR, e ele próprio piloto de ralis
foi ver o Rali de Monte Carlo e trouxe-nos histórias para contar.
Tal como a perceção com que muitos ficaram com o que viram, também ele percebeu
que Sébastien Ogier, Thierry Neuville e Ott Tanak estão um degrau acima dos
restantes, percebeu também que Sébastien Loeb ainda está um pouco ‘enferrujado’
com o desconhecimento que tem dos Hyundai i20 Coupe WRC, e ficou surpreendido
pela prestação de Kris Meeke: “Vi nove classificativas em locais bem
diferentes, zonas rápidas, médias e outras bastante lentas, mas a primeira
coisa que pude perceber é que os carros estão bastante equilibrados entre si.
Não se nota um carro menos potente ou com menos ‘saída’” começou por dizer
Mário Castro, que curiosamente destaca um carro que até aqui era mal amado
pelos adeptos, o Citroën C3 WRC, que pelos vistos agora… já anda:
“Uma característica que ficou bem à vista para quem está a ver de fora é a
estabilidade do C3 WRC relativamente aos outros. Acho que o carro anda mais
amarrado ao chão, é mais estável, muito ao contrário do Hyundai, que achei um
carro, como disse recentemente o Loeb numa entrevista, um pouco ‘brincalhão’.
Isso ficou um bocado demonstrado, por aquilo que eu vi, o carro anda sempre
mais descompensado, a abanar mais um bocadinho, e provavelmente não dará tanta
confiança aos pilotos.
E esse pode ser sido um dos problemas que ele pode ter tido, também pela falta
de testes que teve, pois nota-se que o caro não é tão eficaz a curvar, nas
zonas rápidas, como o C3”.
Curiosa apreciação. Depois de um ano de 2017 difícil para o C3, em outubro
passado percebemos que afinal o carro pode ganhar ralis da mesma forma que os
outros o que agora é só confirmado não só pelos números, mas também pela
perceção que o carro deixou.
Pelos vistos, os carros são todos diferentes, mas também todos iguais: “O
Toyota também me pareceu um carro excelente, muito bom a curvar, muito estável,
praticamente ao nível do C3. E os Ford também um bocado isso. Não dá, para nos
carros, em termos de andamentos, de potência, de tração, vendo de fora, grandes
diferenças. Acredito que existam algumas diferenças entre os quatro carros mas
vendo de fora não se nota muito”, disse.
Muitas diferenças nos pilotos
Sendo os carros muito equilibrados, são, portanto, os pilotos que fazem a
diferença: “Aí sim, notaram-se grandes diferenças. É óbvio que este rali é
sempre preciso considerar que estamos a dar uma opinião baseada numa perceção
resultante dos nove troços que vi, já que uma prova como o Monte Carlo tem
nuances em termos da utilização de pneus, que podem ser errados para aquele
sítio específico, num caso ou noutro, e com isso deixar uma impressão errada”.
É um rali um bocado incaracterístico nesse aspeto, agora uma coisa que se
notava na perfeição é que havia ali três pilotos a fazer completamente a
diferença, o Tanak, Ogier e o Neuville.
O Thierry Neuville, na maioria dos sítios em que o vi, notava-se que vinha, não
vou dizer perdido, mas a arriscar muito mais para conseguir os tempos que
conseguiu. Tinha que arriscar muito mais do que por exemplo o Ogier ou o Tanak,
porque o carro não é, claramente, tão estável quanto o Citroën e o Toyota.
Nota-se que ele vinha sempre mais de lado, não era tão eficaz, sempre a fazer
um grande esforço, mais do que a qualidade do chassis do carro. Volto a frisar
e isto tem que ser sempre levado em consideração, esta é uma perceção, pois
numa situação ou outra, a possibilidade de virem com pneus diferentes pode
justificar a forma como passou.
O carro vir a escorregar mais, pode significar ele trazer pneus menos eficazes
para aquela zona específica. É difícil para quem está de fora ver isso…”
começou por dizer Mário Castro, que tem uma opinião curiosa face ao que viu de
Sébastien Loeb: “Ele passava muito bem, isso foi indiscutível, mas notou-se
claramente alguma falta de confiança, aquele bocadinho de segurança ou
convicção necessárias para não hesitar em lado nenhum. Muito provavelmente
porque os testes foram curtíssimos, comparados com os concorrentes, em muitos
sítios, notava-se que ele vinha ali dois ‘pontinhos’ abaixo do andamento dos
outros três.
Quem também gostei bastante de ver passar foi o Kris Meeke, também muito
consistente, apesar dos problemas que teve, em termos de condução pura goste do
ver passar. O Mikkelsen, a espaços, nem sempre, num sítio ou noutro bem, mas
depois também uns furos abaixo.
E quem estava claramente uns furos abaixo nesta questão da pilotagem eram os
pilotos da Ford. Nota-se que nenhum deles é um especialista de asfalto, muito
menos no monte Carlo. O Tidemand também fez a estreia com o carro, não deve ter
sido nada fácil para ele.
Mas os outros dois, o Suninen e o Evans, que já não é a primeira vez que fazem
o rali, notou-se claramente falta de andamento. Não penso que tenha sido
necessariamente o carro até porque este carro ganhou dois anos seguidos o
campeonato, mas nota-se à vista que travam mais cedo, curvam mais devagar, têm
outros cuidados, a confiança não é nada comparável com o que se vê do Ogier ou
do Tanak ou Neuville”.
Todos diferentes…poucos iguais
Tendo visto nove troços, alguns deles não havia a mais pequena dúvida que
não seriam os pneus a justificar as diferenças, e quando se tem a oportunidade
de ver uma parcela boa de um troço, numa zona com vários zonas de dificuldades
acrescidas, aí percebe-se tudo um pouco melhor: “Um dos sítios onde vi era
bastante bom para perceber esse tipo de diferenças, já que era uma zona rápida,
depois tinha uma lomba, logo seguida duma reta pequena de 100 metros, depois
era seguida duma esquerda, e aí notava-se claramente quem vinha confiante no
que estava a fazer e quem não vinha.
O Ogier, o Tanak, até o próprio Loeb, travavam todos depois a lomba para a
esquerda, e os Ford e o Mikkelsen antes da lomba já estavam a travar. Portanto
aquilo não é uma questão de carro, mas sim de falta de confiança, ou falta de
jeito…
Vi vários tipos de troços e vários completamente secos em que se via que vinham
com os mesmos pneus e notavam-se essas diferenças.
Acho que temos de tirar o chapéu ao Ogier, que apesar do rali nunca ter estado
controlado, as diferenças foram mínimas, mas nota-se perfeitamente que ele sabe
o que está ali a fazer. É difícil cometer um erro, vê-se numa situação ou outra
com um bocado de gelo que ele faz trajetórias, diferentes dos outros, mas muito
mais eficazes.
Um furo é sempre um azar, embora possa ter sido culpa dele, mas mais uma vez o
Tanak, sem o furo, iria lutar pela vitória fim, e não sei se não ganharia. Eu
acho que ele está realmente numa grande forma, mas curiosamente não tem
conseguido traduzir isso em ainda melhores resultados, ou culpa dele, ou por
culpa do carro, as coisas não têm corrido muito bem desde meados da época
passada, mas é sem sombra de dúvidas o piloto que neste momento tem mais
possibilidades de bater o Ogier no campeonato.
Contudo, o Neuville também andou bem, já lutou pelo título o ano passado e
estou convencido que a luta irá ser entre os três, ainda que um piloto ou outro
se possa intrometer e vencer um ou outro rali.
Voltando ao Tanak, não notei nada de muito diferente, notei que ele é muito
preciso no que faz, vi situações em que vinha de uma zona completamente seca e
depois tinha uma placa de gelo, e ele vem completamente a fundo e trava mesmo
no sítio certo, é muito preciso, tem uma condição muito limpa, tão limpa quanto
o Ogier, enquanto os outros chegam muito mais de lado, ou até puxam do travão
de mão, para colocarem o carro.
Dos sítios onde vi o Tanak foi claramente o piloto que em termos de condução
mais se nivelou pelo Ogier, muito preciso a acelerar e a travar nos sítios
certos. Quem vê parece que vem mais devagar, mas não…
O Latvala nota-se que estava um bocadinho menos confiante, é um rali difícil
para ele, faz alguns troços bons mas quando as condições dos troços são mais
adversas, não consegue manter o ritmo e essencialmente não consegue frieza que
tem o Ogier e também o Tanak.
Nos sítios mais difíceis, eles são capazes de mudar completamente o chip em
apenas 50 metros, e atacar ao máximo até aparecer outra dificuldade outra vez.
A ideia que dá é que o Latvala pode vir bem numa classificativa mas quando
aparecem dificuldades ele demora mais tempo a reentrar no ritmo. O Ogier e o
Tanak, pelo que vi ali, são muito rápidos a mudar o chip, quando é para ter
cuidado, têm mesmo cuidado, até parece que às vezes passam mais devagar que os
outros, mas mal passam aquele obstáculo, atacam ao máximo. Vê-se logo que vão
tentar chegar à próxima curva o mais rápido possível e os outros vão ali um
bocadinho ainda a ‘acordar’…
Quanto ao Meeke, gostei bastante. Temos que ter em consideração que ele devia
ter muita pressão sobre ele. Um piloto que é despedido duma marca pela razão
que foi, teve acidentes, uns atrás dos outros, chegar a uma marca como a
Toyota, que tem claramente dos melhores carros, com dois grandes pilotos na
equipa, acho que ele devia estar sob uma pressão enorme de não cometer qualquer
erro e perante isso acho que ele fez um rali muito bom. E depois fechou o rali
em beleza com a vitória na Powerstage, que era um troço que poucos pensavam que
podia ganhar, tendo em conta que se lutava pela vitória ao décimo de segundo.
Portanto acho que fez um rali excelente, poderá num troço ou outro as coisas
não terem corrido tão bem, teve dois furos, mas acho que ele esteve mesmo muito
bem e atendendo à pressão com que devia estar acho que foi das figuras do
rali”, disse Mário Castro, que percebe o que deve ter sentido o piloto
britânico nesta estreia com um nova equipa…
Equipa em que também há grandes diferenças é a Hyundai: “Entre os pilotos da
Hyundai essencialmente notou-se algumas diferenças, mas mais em estilo de
condução. Quem viu passar o Neuville, via um piloto que vinha completamente ao
ataque, passava por cima de tudo, ele atravessava-se onde mais ninguém se
atravessava, pode dizer-se que vinha a 110%.
Já o Loeb, uma pilotagem sempre muito precisa, mas a hesitar, notava-se um
bocadinho a falta de confiança, no carro, talvez em alguns troços que ele disse
que não conhecia. Ele vinha a fazer tudo bem, mais um grau abaixo, mais devagar
ou menos confiante do que o Neuville.
O Mikkelsen não andou mal, está ali no meio termo, não tão agressivo quanto o
Neuville mas não também tão preciso como o Loeb, e os tempos também mostraram
isso, chegou a fazer alguns registos interessantes, mas teve aquele azar, que é
um erro, estava fazer um rali bom para um piloto está na equipa há uma ano
lutar pelo titulo e ganhar ralis, está uns furos abaixo do que a Hyundai quer.
Lappi não andou mal, até gostei de ver, mas penso que teve rali bastante
complicado, com dificuldades, mas acho que do pouco que vi, já que desistiu
cedo, vi dois troços ‘normais’ dele, pelo menos em condições normais, não
passava mal, mas nota-se que lhe falta muito conhecimento do carro, e mais à
vontade. Num carro novo e num rali tão difícil quanto este não é fácil estar ao
nível de um piloto como o Ogier. Se os outros têm dificuldade em conseguir,
para o Lappi será ainda mais.
Mas acredito agora na Suécia que as coisas sejam diferentes e o Lappi já esteja
noutro nível.
Sempre os pilotos a fazer
diferenças
Se no caso do WRC, e depois de termos visto e revisto o que Sébastien Ogier fez
em dois anos de M-Sport, e o que já está a fazer pela Citroën, percebe-se que a
sua classe coloca-o num patamar em que os seus adversários ainda lutam para lá
chegar. Já há quem esteja bem perto, se calhar igual ou melhor – vamos ver
daqui para a frente o que faz Tanak e a Toyota – mas no caso dos R5, os carros
são ainda mais equilibrados que no WRC, e aí são ainda mais os pilotos a fazer
a diferença. Nos últimos anos a Skoda sempre teve o melhor ‘conjunto’, e este
ano, com a chegada de novos e bons carros aos R5, Citroën C3 R5 e Volkswagen
Polo GTI R5, será curioso perceber como tudo irá evoluir.
É pena que a VW não se tenha inscrito na WRC2 Pro, porque desta forma irá
suceder algo como a que já sucedeu neste Monte Carlo. O piloto da M-Sport, Gus
Greensmith viu Kalle Rovanpera atrasar-se e a partir daí não sentiu necessidade
de andar totalmente no máximo.
Quando a Citroën tiver um piloto na WRC2 Pro, o que não sucedeu no Monte Carlo,
poderão tirar-se mais as dúvidas dos R5 e dos seus respetivos pilotos: “Nos R5
é onde se nota mais as diferenças de condução de cada piloto, já que os carros
são muito equilibrados.
É óbvio que nos R5 há carros que estão mais adaptados a uma situação do que a
outra, não são exatamente iguais, senão também não tinha piada, mas o
equilíbrio é muito grande entre a performance dos vários carros das marcas que
têm R5.
Gostei muito do Volkswagen, mas para ser muito sincero, não achei que, vendo de
fora, que fosse um carro muito superior aos outros, gostei muito de ver o
Citroën e do Ford e tal como no WRC em que houve três ou quatro pilotos que se
distinguiram dos outros, que foi o Gus Greensmith (Ford), o Kalle Rovanpera
(Skoda), o Nicolas Ciamin, no Volkswagen, e o Yoann Bonato, no Citroën. Depois,
tanto o (Ole Christian) Veiby e o (Guillaume) De Mevius, andavam o ‘tal’
furinho’ abaixo.
Os carro pareceram-me muito equilibrados, achei realmente que o que fez a
diferença foi a condução dos pilotos, e a forma como abordaram o rali. O Bonato
foi sempre um piloto que manteve um nível muito elevado, passou bem em todo o
lado, o Greensmith também, o Rovanepra sempre igual a si mesmo, a conduzir
bastante bem, muito preciso, direito, muito para a frente.
Diferenças à vista nos carros, não vi nada de muito significativo,
especialmente por parte do VW, embora talvez o Volkswagen tenha mostrado uma
coisa que também mostra o Citroën C3. Pareceu-me ser um carro mais estável do
que os outros. Os outros não tão precisos, e o VW praticamente não mexe, é um
carro que trava, curva e acelera, não tem reações estranhas, pelo menos de
acordo com o que me pareceu, enquanto que os outros não eram tão estáveis. Mas
em termos de performance, tração, todos estiveram muito bem”, disse.
O Rali da Suécia ainda não vai dizer tudo quanto à competitividade relativa de
cada piloto e equipa, pois é uma prova muito específica. Sendo verdade que
todos rodam com os mesmos pneus, as condições com que se podem deparar na
estrada são distintas. Veja-se o que sucedeu o ano passado em que houve um
excesso pouco habitual de neve e Ogier teve grande dificuldades… para
pontuar. Se o tempo continuar frio mais duas semanas, há um sério risco de se
repetir a história.
Na verdade, será no México em que se começará a perceber melhor o que valem os
carros, e como se dão com os pilotos, especialmente os que trocaram de equipa.
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