F1: Ordens de equipa, o mal necessário

Ordens de equipa. Ninguém gosta delas. Nem quem as dá, muito menos quem as recebe e ainda menos quem vê. As ordens de equipa causam polémica, frustração, mau estar nas equipas. São tantos os factores negativos que afectam quem as usa, que quase dá vontade de perguntar “então se são assim tão más, porque as usam?” Porque podem ser fundamentais para atingir um objectivo maior que qualquer tipo de frustração ou mal estar… um título.

Se a primeira corrida de automóveis aconteceu logo após o momento em que foi criado o segundo carro (diz a lenda), as ordens de equipa vêm desde que se criou a F1. Em 1951 no GP da França Luigi Fagioli teve de ceder o seu carro a Juan Manuel Fangio (numa altura em que tal era possivel) que tinha tido problemas com a sua máquina. Uma vitória partilhada, mas que levou à saída de Fagioli da Alfa Romeo. As ordens que favorecem um piloto em detrimento de outro fazem parte da F1, como em qualquer desporto de equipa em que um jogador tem de se sacrificar pela equipa. E sim embora, haja um titulo que coroa apenas um piloto, a F1 é na sua essência um desporto de equipa, que exige o sacrifício de todos.

O que aconteceu em Sochi com Bottas foi do desagrado de todos sem excepção, mas foi um mal necessário. A Mercedes já esteve por baixo este ano e sabe que a Ferrari tem ainda argumentos para levar a discussão do título até ao fim. É que esta época tem dado tanta surpresa que não seria descabido de todo que a Mercedes com um duplo golpe de azar ficasse à mercê da Ferrari.

O que a Mercedes fez foi dizer que a F1 é um jogo de equipa e que Bottas, por muito bem que tenha estado na Rússia, já não tem hipótese de atingir o objectivo principal e tem de ajudar o companheiro de equipa e mais que isso, mostrou respeito pelo adversário, que ainda não está completamente derrotado. É feio é injusto, tirou-nos uma possível luta entre Vettel e Hamilton na corrida, mas deu à Mercedes uma almofada maior para gerir ambos os campeonatos. E depois há a questão comercial, do valor do prémio e da exposição que um título da à marca. Num negócio de milhões não se pode arriscar. A Ferrari fez o mesmo em Monza e se calhar agora arrepende-se de não ter pelo menos colocado uma vez Vettel no cone de ar de Raikkonen na Q3. A própria Ferrari já fez isto várias vezes (enquanto a Mercedes dizia que não recorria a este tipo de estratégia). Todas as equipas em posição de vencer, mais tarde ou mais cedo vão fazê-lo.

Durante a época toda há decisões que afectam a dinâmica da equipa e que não provocam tanta discussão pois não são tão vistosas. Quem experimenta as novas alterações primeiro, quem é escolhido para ficar de fora dos treinos para dar lugar a um jovem, quem testa mais tempo etc. Pequenas decisões que vão ganhando cada vez mais força e vincando quem é o nº1 e o nº2.  E a decisão é tomada mediante a qualidade do piloto, na maioria das vezes. Vettel foi beneficiado mais vezes em detrimento de Raikkonen, mas se avaliarmos as prestações Vettel desde a sua entrada na Scuderia face às de Raikkonen (e o seu contributo para a equipa), talvez esses benefícios se justifiquem, tal como no caso de Hamilton / Bottas. É convicção de quem escreve este texto que a F1 tendencialmente é injusta a curto prazo mas justa a longo prazo, sendo que os melhores chegam mais vezes ao topo por serem isso mesmo… os melhores.

Claro que o leitor encontrará uma lista de injustiças e de pilotos que eram talentos fantásticos que não chegaram ao topo ou foram injustiçados, mas provavelmente serão a excepção que confirmará a regra. O título de nº1 numa equipa por vezes é dado por jogadas políticas de bastidores, mas se não for alicerçado pelo verdadeiro talento e por resultados, não se manterá por muito tempo. Há inúmeros exemplos  que mostram que as estrelas da equipa têm esse estatuto porque o merecem e se beneficiam das ordens de equipa é porque fazendo as contas todas, trabalharam e colocaram todo o seu talento em pista para que tal acontecesse.

Bottas merecia ter vencido a corrida da Rússia, pela prestação que teve e pelos azares que tem tido ao longo da época. Muitos o têm apelidado de “wingman” de forma depreciativa, mas o #77 tem feito o que um profissional deve fazer… obedecer às ordens e colocar o interesse da equipa em primeiro lugar. É que por vezes fica esquecida a equipa que não se vê. Homens e mulheres que dão o seu melhor todos os dias, a um ritmo alucinante para darem as condições para os pilotos lutarem por vitórias. Homens e mulheres que fazem sacrifícios para atingir um objectivo. As ordens de equipa são também elas um sacrifício para que bem maior fique assegurado.

O que este texto pretende no fundo é admitir que apesar de ter detestado a decisão, eu, tal como a grande maioria, no fundo, entende o porquê da decisão e se estivéssemos no lugar de Wolff faríamos provavelmente o mesmo.É uma espécie de justificação do injustificável. E não é por isso que Bottas é pior o melhor, tal como Hamilton ou a equipa. Foi preciso tomar uma decisão e ela foi tomada com coragem e de forma assumida.  Por um bem maior… o bem da equipa. Como disse Toto Wolff “Antes vilão agora que idiota em Abu Dhabi.”