Pilotos e as suas superstições

A componente humana é, sem dúvida, a mais complexa no automobilismo. E a diversidade de temperamentos, crenças e culturas é uma das suas maiores virtudes. Como qualquer atividade que envolve risco, o receio de que aconteça algo de negativo está sempre presente. E a confiança de um piloto é essencial para o sucesso. Por isso, nos momentos de fraqueza, nada como uma ajudinha especial, para serenar os ânimos e manter o pé na tábua.

Os habituais símbolos de boa sorte, como o trevo de quatro folhas, a pata de coelho, a ferradura e outros do género, não são exclusivos dos mortais mais comuns. O francês Robert Manzon, piloto dos Simca-Gordini, e Pat Flaherty, americano, que ganhou as 500 Milhas de Indianapolis em 1956, usavam um desenho da benigna planta nos seus capacetes. Willy Mairesse transportava consigo uma pata de coelho.

Mas, a partir daqui, parece que entramos num concurso da superstição mais original. Jean-Pierre Wimille usava, enrolada ao pescoço, a echárpe que Juliette Greco lhe dera. “Gigi” Villoresi tinha no pulso o relógio do seu irmão, que morrera na pista de Monza, ao volante de um Alfa Romeo da Scuderia Ferrari. Fangio, que escapou várias vezes de acidentes terríveis, trazia sempre consigo uma imagem da Virgem de Guadalupe. E Pedro Rodriguez costumava ter três ou quatro malaguetas no bolso, mas também podia ser para apurar o “chili”… Luigi Musso usava sempre os mesmos óculos e luvas — David Coulthard vestiu, durante muito tempo, as mesmas cuecas, até ter um acidente e ser levado para o hospital, onde, já rasgadas e gastas, terão sido alvo de comentários mais sarcásticos. Embaraçado, o escocês acabou por optar trocar de cuecas, levando as velhas no bolso… Cortese usava sempre meias amarelas — o que não devia ser fácil de combinar com o resto da indumentária. Já Philippe Etancelin, um dos melhores pilotos do período anterior à II Guerra, tinha uma relação particular com o seu boné, que usava sempre de trás para a frente. Depois da Guerra, quando Phi Phi voltou às corridas, e se impunha a proteção de um capacete, o carismático francês usava o boné por baixo… É conhecida também a superstição do austríaco Alex Wurz, que usa sempre botas de cores diferentes. Alberto Ascari usava sempre o seu capacete azul Squadra Azzurra. Exceto quando testou o novo Ferrari 750. Deixou-o nas boxes, teve um acidente e morreu… Depois temos os números… Embora, por regra, o 13 não existisse nas corridas, alguns pilotos gostavam mais dele do que dos outros. Para Louis Chiron — piloto monegasco da Bugatti, Maserati e Talbot-Lago — o treze era o número bafejado pela sorte, e trouxe-lhe bastantes sucessos antes da Guerra. Outro piloto que adorava o 13 era Bernd Rosemeyer.

E um dos poucos portugueses que não o recusava, quando lhe calhava, era Luis Fernandes. Stirling Moss adorava o número sete — a última vez que veio a Portugal, trazia uns botões de punho com esse número — mas só podia escolhê-lo nos eventos ingleses. Nas provas europeias os números eram atribuídos por ordem de inscrição. Já John Surtees odiava o 17, que em Itália é o número do azar. Enzo Ferrari nutria o mesmo sentimento pelo 17, que associava ao acidente mortal que o seu amigo Ugo Sivocci sofreu no circuito de Monza, em 1923. O seu número era o 17. Quanto a superstições gastronómicas, sabe-se que Bordino e António Ascari (pai de Alberto) corriam sempre em jejum. Outros, como Campari, só iam para ‘o escritório’ depois de um valente repasto acompanhado de vários decilitros de vinho.

Mas, se calhar, não era superstição. Era só o almoço… Alguns pilotos eram também sensíveis aos presságios. Um dos mais conhecidos, temido por quase todos os pilotos, era o de ver uma freira na ida para o circuito. Para Alberto Ascari, um gato preto também não era bom sinal, enquanto Borzacchini morria de medo de se cruzar com um bode. Mas Stirling Moss, para além do sete, tinha outras proteções: Nos seus carros havia sempre uma ferradura e, quando pilotava os HWM, no início dos anos 50, tinha uma fixação pela vela do cilindro número 3. Sempre que visitava as boxes, o mecânico Alf Francis trocava-a, mesmo quando estava a funcionar perfeitamente…

Adelino Dinis