Grupo C2, o Avô dos LMP2
Hoje existe a LMP2, como segunda ‘classe’ em Le Mans, que continuará em 2024 a visitar o mítico circuito francês apesar de deixar de competir no Campeonato do Mundo de Resistência da FIA. Nos anos 80 existia o Grupo C2. Recorde-o connosco.
Quando o ACO criou a classe LMP2, a ideia era criar uma categoria mais barata para equipas privadas correrem nas 24 Horas de Le Mans. Mas esta não é uma ideia nova, já que a FIA tinha feito o mesmo nos anos 80, com um grupo interessante de concorrentes a alinhar no Grupo C2 do Mundial de Sport-Protótipos
Era Porsche a dominar as corridas não tinha piada. Foi por isso que a FIA resolveu introduzir uma nova classe de protótipos, o Grupo C, no Campeonato do Mundo de Sport-Protótipos, em que as performances seriam controladas por um limite de combustível, com um máximo de cinco paragens para reabastecimento e um depósito de 100 litros. Mas a Porsche também aprendeu a dominar a eficiência como já tinha feito com a potência. Entretanto, vários construtores surgiram no campeonato: Lancia, Ford, Aston Martin, Jaguar, Nissan, Toyota e Mercedes deixaram pouco espaço para os pequenos garagistas brilharem.
A FIA reconheceu o problema e criou a classe C Junior no segundo ano do Grupo C, em 1983. Estes carros estavam limitados às mesmas cinco paragens nas boxes mas tinham depósitos mais pequenos, só de 55 litros. Estavam portanto, limitados em potência, mas, em compensação, eram mais leves, e não existiam limites ao tamanho do motor ou às formas da aerodinâmica. A FIA esperava que os limites de consumo fizessem as equipas optar por motores de 2 litros, mas a busca por fiabilidade nas corridas de 1000 km do campeonato levou a que muitas equipas optassem pelos comprovados Ford Cosworth DFV de 3 litros e DFL de 3,3 litros, bem como pelo BMW de 3,5 litros do M1 e o Mazda 13B de tipo Wankel. Mas houve espaço para outras opções. Era obrigatório usar motor de um construtor reconhecido, o que levou Carlo Facetti e Martino Finotto, que saíram da Alfa Romeo e da BMW para fundar a Carma Engineering, a pedir à Giannini (preparadora de modelos Fiat) para homologarem o motor.
Sem hipótese de lutar com os grandes construtores, muitos engenheiros independentes optaram pela nova classe. A Tiga entrou na classe, primeiro associada a Gordon Spice e depois a Roy Baker, enquanto um ainda pouco conhecido Ray Mallock construiu carros para a Ecurie Ecosse, e Ian Harrower transformou o De Cadenet Lola no primeiro ADA. Facetti e Finotto montaram os seus motores nos chassis britânicos Alba, Jim Busby veio da América do Norte com os seus Lola-Mazda e apoio da BFGoodrich e as alemãs URD e Gebhard Motorsport também construíram carros. Mais tarde, Spice separou-se da Tiga e passou a construir os seus próprios carros, o primeiro negócio de competição cliente bem sucedido na classe, e também o francês Louis Descartes construiu alguns exemplares até a fórmula desaparecer. Apenas um construtor automóvel apostou oficialmente no campeonato, a Mazda, para testar a tecnologia do motor rotativo, com carros construídos no Japão pela Mooncraft e um programa desportivo gerido pela Oreca.
Os vários campeonatos A primeira temporada, de 1983, não teve muitos carros em pista. Apenas duas máquinas, o Alba- Giannini da Jolly Club e o Harrier-Mazda da Manns Racing, participaram em quase todas as provas do Mundial, ainda que a presença dos Mazda 717C em Le Mans lhes tenha sido favorável, com o triunfo à classe nas 24 Horas. Facetti e Finotto venceram três corridas do Mundial (Silverstone, Nürburgring e Kyalami) e isso deu à Alba-Giannini o título de Construtores. Para 1984, a classe C Junior mudou de nome para C2 e as corridas mais importantes acabaram por ter em redor de uma dezena de participantes. A Jolly Club surgiu com dois Alba-Giannini, com Jim Busby a aparecer com dois Lola-Mazda patrocinados pela BFGoodrich, a Spice a inscrever o Tiga oficial e a Gebhardt Motorsport a participar com o seu próprio carro com motor BMW de F2. Estas foram as máquinas mais competitivas, com as três primeiras equipas a discutirem o título com duas vitórias cada e a Gebhardt a demonstrar rapidez, mas pouca fiabilidade.
Pontuando em todas as provas, a Alba-Giannini renovou o título, batendo a Lola-Mazda (vencedora em Le Mans) por 13 pontos e a Tiga-Ford por 30. O Lotec-BMW da Auto Beaurex, que só corria no Campeonato Japonês, venceu a outra prova, em Fuji. Para 1985, a FIA finalmente instituiu um título de pilotos. Gordon Spice apostou em modificar o Tiga à sua maneira e, fazendo equipa com Ray Bellm, ganhou cinco das 10 corridas (incluindo as 24 Horas de Le Mans), suficiente para ganhar os títulos de pilotos e equipas, apesar da forte oposição do Ecosse de Ray Mallock e de Mike Wilds (ex-piloto da BRM na F1), que era mais rápido em reta e consumia menos combustível, mas era menos fiável. O Ecosse destacava-se por ter o patrocínio da Royal Mail (os correios britânicos), o que lhe valeu a alcunha de ‘Postman Pat’ (o desenho animado conhecido em Portugal como ‘O Carteiro Paulo’). Facetti pôde finalmente usar o nome Carma nos seus motores, e ainda conseguiu alguns pódios, tal como os dois Gebhardt (o oficial e o ADA), numa grelha com desenhos muito variados.
Em 1986, a Ecurie Ecosse (agora com um motor Rover do MG Metro 6R4) ganhou o título de equipas à Spice Engineering por dois pontos, graças às vitórias de Ray Mallock, David Leslie e Marc Duez, mas como este troféu tinha menos provas, Ray Bellm e Gordon Spice renovaram o título de pilotos, no novo Spice SE86C. Mesmo assim, a vitória mais apetecida, em Le Mans, foi para o Gebhardt da ADA Engineering (a Gebhardt Motorsport ganhou os sprints de Monza e Norisring). A Roy Baker Racing passou a gerir a equipa oficial da Tiga (que também vendeu chassis à italiana Kelmar), mas viveu basicamente à conta de pilotos pagantes, enquanto Martin Schanche, a estrela do ralicross, montou a sua própria equipa, instalando um motor Zakspeed de F1 num chassis Argo.
Em 1987, repetiu-se a batalha entre o Spice da Spice Engineering e a Ecosse da Swiftair Ecurie Ecosse, com Fermín Vélez a substituir Bellm ao lado de Gordon Spice, e David Leslie a conseguir acompanhar Ray Mallock em todas as corridas. Com sete vitórias contra duas, o Spice foi ficando mais apurado ao longo da época e a dupla anglo espanhola venceu por 25 pontos em pilotos e equipas. A Tiga não teve uma equipa oficial, fornecendo grande parte do plantel, e a sua única vitória foi em Fuji, com a GP Motorsport.
Ray Bellm voltou à Spice para a temporada de 1988, e ficava claro que o chassis idealizado pela equipa de Gordon Spice era o carro a abater. A equipa alinhou dois carros e o principal adversário de Bellm e Spice na luta pelo campeonato foi mesmo o segundo carro, pilotado por Thorkild Thyrring, Almo Coppelli e Eliseo Salazar. Nessa temporada, era normal a grelha da classe C2 ser superior à da principal, e a Spice contribui para esse crescimento, vendendo carros à GP Motorsport e à Chamberlain Engineering (esta com um motor Hart de F1). A Ecosse saiu para Ray Mallock se dedicar ao regresso da Aston Martin, e a Tiga concentrou os seus esforços na Kelmar Racing (que ganhou no Nürburgring, a única derrota da Spice), enquanto a ADA substituiu o chassis Gebhardt pelo seu próprio carro, construído nas instalações da March. A FIA anunciou a criação da nova fórmula de Grupo C com motores de F1 a partir de 1989, com as corridas reduzidas de 1000 km para 480 km, e Gordon Spice quis lutar com as grandes marcas
instalando um Ford Cosworth DFR no novo design, o SE89C, um resultado que ficou aquém das expetativas devido às vibrações do bloco de F1. Mas mesmo assim a marca continuou bem representada no Grupo C2, preenchendo metade do plantel e vendo duas clientes, a Chamberlain e o Team Mako, a lutarem pelo título, que acabou por ir para a primeira, com quatro vitórias de Fermín Vélez e Nick Adams. A Tiga também conseguiu ganhar uma corrida, mas o GC289 não era tão rápido. Apenas a francesa ALD tentou contrariar estas duas marcas.
Le Mans não contou para o campeonato, com a vitória nesta prova a ir para um Cougar antigo da equipa Courage. Em 1990, a FIA acabou com a classe C2 no Campeonato do Mundo, mas como Le Mans não contava, ainda atribuiu o título, sendo o último vencedor da categoria o Spice da PC Automotive. A categoria revelou ser popular na sua curta vida, dando origem a alguns construtores próprios nas corridas alemãs da Supercup e Interserie (como o Lotec-Maurer) e no Campeonato Japonês (os MCS Guppy construídos pela Mooncraft), e até a um Campeonato Britânico. Dada a popularidade da categoria, quando a FIA anunciou a criação do novo regulamento para motores de F1, Gordon Spice e Hugh Chamberlain chegaram a considerar criar um campeonato internacional paralelo, mas não foram avante com esta ideia.
Paulo Manuel Costa
Do outro lado do Atlântico
As regulamentações da FIA para Grupo C e dos americanos da IMSA para a classe GTP tiveram desenvolvimentos paralelos, razão pela qual os carros são quase idênticos. Tal como na Europa, surgiu na América a necessidade de criar uma classe de sport-protótipos mais acessível para equipas privadas, que entrou em vigor em 1985, batizada com o nome Camel Lights (em deferência ao patrocinador). Já haviam alguns motores pequenos em atividade até então, mas não tinham hipóteses de bater os motores turbo da Porsche e Ford ou os grandes V8 da Chevrolet. Os chassis eram idênticos aos GTP, mas os motores, que eram obrigatoriamente derivados de série, estavam limitados a 3 litros. Argo e Tiga foram os primeiros construtores de chassis envolvidos, mas pouco depois chegaram a Kudzu, a Fabcar e a Spice, tendo esta encontrado na América um mercado muito recetivo às suas criações, mais ainda que na Europa. Numa primeira fase, os Mazda 12A e 13B rotativos eram os mais competitivos, tanto que Jim Downing foi campeão da classe três anos consecutivos. A GM respondeu com o Buick V6 e o Pontiac de quatro cilindros, com o primeiro a vencer o título entre 1989 e 1991 com três pilotos diferentes. A Ferrari chegou a ter um motor em ação (preparado pela Carma), mas nunca conseguiu lutar pelo título. Em vez disso, quem chegou foi a Honda of America, que forneceu o propulsor do Acura NSX à Comptech Racing, vencendo os últimos três campeonatos com Parker Johnstone. No final de 1993, as categorias GTP e Lights desapareceram, dando lugar a protótipos abertos.