WRC: O dia em que os ralis… não deviam ter mudado!

Por a 4 Março 2024 17:00

O Mundo era bem diferente há 33 anos! Foi por exemplo o momento em que ‘nasceu’ a internet. ‘Rebentou’ a Tempestade no Deserto no Iraque, a União soviética desmembrou-se, nascendo a Ucrânia, Lituânia, Estónia e Letónia, entre outras, Portugal foi Campeão do Mundo de Sub-20, em Futebol, vencendo o Brasil na final do Estádio da Luz, e no Cinema via-se o Silêncio dos Inocentes, com o vinho Chianti de Anthony Hopkins. Schwarzenegger era o Exterminador, Danças com Lobos de Kevin Costner ganhava um Óscar. São muitos os exemplos que aqui poderíamos dar, mas é de ralis que falamos.

E como tudo era diferente na altura…

Esta história é acerca de um piloto a quem foi dada a primeira oportunidade como piloto profissional neste evento, o Rali da Finlândia de 1991, que deu início à sua fantástica carreira, algo que só se ‘desenvolveu’ quatro anos depois. O piloto é Tommi Mäkinen.

Na altura os Construtores só tinham que participar em oito dos 14 eventos para pontuar e desses apenas sete resultados contavam. Por isso, muitas equipas não tinham ido à prova anterior, na Argentina.

A Lancia e a Toyota tinham corrido, a Mazda foi representada por um Grupo N privado, mas na Finlândia já estiveram novamente todos os restantes Construtores. Ford, Subaru, Mitsubishi e Nissan, bem como a equipa oficial da Mazda, com o seu 323 4WD de Grupo A. Acabaria por ser um evento memorável para todos.

Os ralis eram muito diferentes, este, especificamente, tinha 42 troços sem uma única repetição.

524 km de troços utilizados uma única vez. Os ralis eram em linha, ninguém regressava a um parque de assistência, e por isso também se faziam bem mais especiais.

Num dia realizavam-se tantas quanto hoje a maioria dos ralis inteiros. Esta prova teve 148 participantes, mais cinco que os ralis da Suécia, Argentina, México e Austrália de 2015 juntos. Eram quase três horas a ver passar carros de ralis.

VENTOS DE MUDANÇA

O Rali da Finlândia de 1991 marcou o início duma transição que mudou a face da disciplina. Na altura não havia limites para os reconhecimentos, os pilotos podiam pilotar o carro que quisessem, à velocidade que pretendessem.

Alarmados pelo facto dos pilotos treinarem demais, os organizadores introduziram uma regra que passou a permitir apenas uma velocidade máxima de 80 Km/h nos troços, e os carros tinham que ser de produção, ter equipamento de segurança e suspensões reforçadas.

Estas alterações foram fundamentais e significaram o fim de dois aspetos importantes da preparação pré-rali.

Antes, os pilotos podiam treinar as linhas de trajetória que iriam fazer em prova, e tudo a alta velocidade. Faziam-no decorando os troços, não ‘ligando’ tanto às notas de andamento.

Na Finlândia, os pilotos começaram por se tentar lembrar o mais possível do traçado, deixando aos navegadores apenas algumas instruções e alertas das zonas mais complicadas.

Era habitual os pilotos irem para os reconhecimentos sozinhos, às vezes fazendo 18.000 km de treinos. A partir desse momento, nascia a necessidade de criar um novo sistema de notas, que se adaptassem aos ralis em geral e ao Rali da Finlândia em particular.

Isto levou também, posteriormente, à introdução de horários para os reconhecimentos, o que mudou por completo o desafio do desporto.

É também verdade que cientes dessa necessária transição, não mudaram muito o traçado de modo a que os pilotos não se deparassem com troços e locais completamente estranhos, minimizando dessa forma os efeitos da necessária mudança.

Assim, muitos pilotos utilizaram ainda durante algum tempo as suas notas pré-1991. Curiosamente, um piloto teve um grande problema com isso. Carlos Sainz tinha ganho o rali em 1990, mas durante o seu regresso a Espanha a sua mala foi roubada, e essa continha as notas de andamento corrigidas, algo que as novas regras não permitiam que voltasse a haver nova oportunidade para fazer.

Por isso, o espanhol foi para o evento de 1991 muito nervoso, mas a verdade é que ainda assim, chegou a liderar mais de metade da prova até ter tido um mau momento, com um acidente, que o fez cair para quarto.

LOGÍSTICA DOS RALIS

Outra grande alteração derivada das novas regras dos reconhecimentos tinha a ver com os testes, pois estes tinham agora que ser realizados em sessões privadas e em estradas que não eram utilizadas nos eventos. Por este motivo, nasceu uma indústria paralela de logística para testes privados de ralis.

Até essa altura muito poucos testes tinham lugar entre provas, basicamente os reconhecimentos eram também os testes. Hoje há duas equipas paralelas de mecânicos e não só, uma só para testes, outra para os ralis. Há outra evolução dos ralis que ainda não existia em 1991.

O parque de assistência central. As localizações das assistências tinham que ser planeadas antecipadamente, os espaços eram pensados de acordo com o que as equipas de assistência entendiam precisar para espalhar as peças sobressalentes que levavam nas carrinhas de assistências nas ligações.

O escalonamento da assistência da Mitsubishi nesse rali referia 23 veículos, incluindo carros de rali.

Um avião de comunicações e nada mais nada menos que 104 paragens durante o rali. Isto previa dois serviços distintos por troço, um antes, outro logo a seguir.

O primeiro era basicamente para trocar pneus e pouco mais e o após a especial, para o que fosse necessário.

O trabalho logístico era fantástico. Este rali de 1991 ‘esticava-se’ desde Jyvaskyla por mais 150km até Tampere (onde havia uma curta especial de asfalto), mais de 100 km para Este em direção a Pieksamaki (a terra de Esapekka Lappi) e outros 200 km para sul, rumo a Valkeakoski. Era este o mundo profissional dos ralis com que Tommi Mäkinen se deparou.

PONTO DE PARTIDA

Tommi Mäkinen tinha-se estreado nos ralis seis anos antes num Ford Escort emprestado. Depressa foi dado como estrela em potencial, mas a sua carreira não avançou depressa. Em 1990, Mäkinen deu um passo atrás com um programa de Grupo N num Mitsubishi Galant VR-4 com que venceu na Nova Zelândia e na Austrália.

Isso deu-lhe a possibilidade de pilotar um carro de fábrica no Rali dos 1000 Lagos de 1991, com a Mazda Rally Team Europe. A Mazda vinha utilizando o motor de 1800 cc do 323 GTX nos anos anteriores desde a estreia no Rali dos 1000 Lagos de 1990, quando Timo Salonen foi sexto, mas o finlandês foi para a Mitsubishi para substituir Vatanen e o piloto de ponta da Mazda passou a ser Hannu Mikkola, que já estava claramente na fase descendente da sua carreira.

Sabendo isso, a Mazda preparava-se para produzir os mais competitivos carros com motor de dois litros e Achim Warmbold, responsável máximo da MRTE, procurava novos talentos.

Tommi Mäkinen encaixava como uma luva. A oposição da Mazda nessa prova era fantástica, a Ford tinha um Sierra de sete velocidades para Ari Vatanen, a Lancia um novo Integrale mais leve para pisos de terra, a Mitsubishi regressou com o Evolution versão VR-4 que se estreara na Grécia e a Nissan utilizava o Pulsar/Sunny GTI-R pela primeira vez na Europa, com uma versão leve para Stig Blomqvist. Todos com motores de dois litros. Mas as coisas não começaram bem para a Mazda, Mäkinen fez um pião no primeiro troço, pois não estava adaptado à caixa de velocidades, e Mikkola ficou sem direção assistida. Mäkinen regressou a Jyvaskyla na 13ª posição, no primeiro troço do segundo dia, a direção assistida do carro de Mikkola voltou a falhar, e com consequências piores já que este guinou repentinamente e capotou.

No fim do dia, Mäkinen já era oitavo. Depois, algo especial aconteceu! Mäkinen fez o melhor tempo num troço, o primeiro dos 362 que realizou em especiais durante a sua carreira. Com um motor bem menos potente no seu Mazda, bateu os Lancia de Kankkunen e Auriol. Tinha que haver ‘ali’ qualquer ‘coisa’. Entretanto, Mikkola abandonou com problemas no motor do seu Mazda, Mäkinen subiu a sexto, mas começou a ter problemas no final do dia. De ignição, primeiro, a direção assistida também falhou, a quarta velocidade saltava e foi alertado para não exceder as 7000 rpm do motor. Ainda assim, terminou em sexto, atrás dos dois Lancia, dois Mitsubishi e o Toyota de Sainz. Mäkinen

ainda teve nova oportunidade no RAC, mas desistiu devido a acidente em Hamsterley, desistindo a quatro troços do fim. A Mazda terminava aí a sua participação no Mundial de Ralis, depois de ter decidido não avançar com o modelo de dois litros.

Depois de um longo e obscuro período, o finlandês ganhou de repente a atenção de muita gente, mas não deu os melhores passos para a sua carreira nos anos seguintes. Em 1992 foi para a Nissan, que corria na F2, sem se destacar, em 1993 correu como privado num Lancia, com dois quartos lugares na Suécia e Finlândia, e em 1994 aceitou com relutância pilotar mais F2. A oportunidade que teve com um Grupo A aproveitou-a ao máximo ao vencer o Rali da Finlândia aos comandos de um Ford Escort Cosworth. A sua carreira só mudou verdadeiramente quando foi para a Mitsubishi em 1995. De 1996 a 1999 quatro títulos mundiais com a Mitsubishi. Depois de dois anos na Subaru (2002 e 2003) retirou-se dos ralis a tempo inteiro.

O Rali da Finlândia de 1991 marcou o começo de uma nova era para os ralis e também para Tommi Mäkinen, que recentemente teve pela frente um dos maiores desafios da sua carreira nos ralis: levar a Toyota novamente ao sucesso nos ralis. E levou, como sabemos, entregando a uma ‘pasta’ fantástica a Jari-Matti Latvala. Tendo em conta o ponto em que foi colocada a fasquia pela Citroën, e depois pela VW, a Toyota está no bom caminho…

Martin Holmes, In Memoriam, com José Luís Abreu

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