Capítulos encerrados na vida de Ron Dennis e da McLaren
Para um adepto que siga a F1 há muitos anos, dificilmente não haverá memória de muitos dos momentos vividos por Ron Dennis na ‘sua’ McLaren. O pináculo, a luta entre Ayrton Senna e Alain Prost, mas houve muitos outros, bons e maus. Só que, tudo na vida tem um fim, e fechou-se mais um capítulo da história da McLaren e da história da Fórmula 1 com o afastamento definitivo de Ron Dennis da estrutura de Woking. Contudo, o seu legado permanecerá na formação britânica.
O inglês, que quando ingressou no mundo da categoria máxima do desporto automóvel dificilmente imaginou que chegaria onde chegou, abandonou a equipa em que foi instrumental da mesma forma que chegou – por imposição.
No início da década de 80 a formação fundada por Bruce McLaren estava no limiar da sua existência e a Marlboro, o seu patrocinador principal, forçou a entrada de Dennis para a gestão da equipa, assistindo-se à fusão entre a McLaren e a Project-4, a equipa que o natural de Woking liderava na Fórmula 2 com sucesso.
O inglês chegou à equipa, então sediada em Colnbrook, em Setembro de 1980, mas o seu impacto foi imediato, trazendo na manga um projecto idealizado por John Barnard que consistia em realizar um chassis totalmente de carbono.
A temporada de 81 foi claramente uma inversão da tendência de queda da McLaren, que já não vencia uma corrida desde 1977, e Dennis foi ganhando poder no seio da estrutura, comprando as posições accionistas de Tyler Alexander e Teddy Mayer, os derradeiros resquícios da McLaren pré-Dennis.
O inglês sempre mostrou uma enorme capacidade de ver mais além, prova disso era o aspecto imaculado das suas equipas, que assim se mostravam mais apelativas para patrocinadores – ou como dizia o britânico no famoso “ronspeak”, parceiros comerciais – e sentido que os motores turbo eram o futuro da Fórmula 1 encontrou em Mansour Ojjeh o parceiro ideal para fortalecer “a sua McLaren”.
Vendeu cinquenta porcento das acções ao saudita, tendo Ron Dennis evidenciado ser um homem de negócios implacável, uma vez que a TAG era patrocinadora da Williams desde 78. Na verdade, a equipa de Grove perdeu diversas guerras de bastidores para a McLaren e em 1988 ver-se-ia privada dos motores Honda, depois de Dennis ter convencido os japoneses que seria a McLaren, com Ayrton Senna e Alain Prost, a melhor estrutura para oferecer os resultados que desejavam, que, porém, tinham ganho três títulos com a formação de Frank Williams.
A década de oitenta e início dos anos noventa foram de sucessos extraordinários para Dennis, que conseguiu tornar a McLaren, uma equipa que no final dos anos setenta estava à beira do precipício, numa força dominadora, ameaçando os recordes da Ferrari a dada altura.
Mansour Ojjeh foi instrumental nos planos de Dennis, tendo sido a TAG a financiar os motores V6 turbo construídos pela Porsche sob medida e de acordo com as exigências de John Barnard, que permitiu que a equipa de Woking se afirmasse definitivamente como uma das grandes equipas da Fórmula 1.
Porém, a personalidade de Ron Dennis não era das mais fáceis de lidar, com elevados níveis de exigência e de atenção ao pormenor, havendo até quem apontasse que tinha um distúrbio psicológico.
Foram diversas as personalidades com quem entrou em choque frontal – Max Mosley, Alain Prost, Fernando Alonso, etc – por vezes com desfechos terríveis para todas as partes, em muitas ocasiões apenas catalisados por diferenças de opinião que inglês encarava como uma traição de alguém em quem confiara.
Por outro lado, não se mostrava confortável com as suas origens humildes, apagando da sua memória o período em que foi mecânico nos anos sessenta, mas não se coibiu em construir em Woking, a sua terra natal, o McLaren Technology Centre, um edifício gigantesco saído da pena de Norman Foster, quase como se tivesse a necessidade de receber da sua terra o reconhecimento pelos seus feitos.
Convulsões e soluções
Com a saída da Honda da Fórmula 1 no final de 1992 a McLaren passou por um período menos bem-sucedido, mas uma vez mais Ron Dennis conseguiu encontrar uma solução para elevar a sua equipa novamente ao topo com uma pareceria com a Mercedes.
O construtor germânico permitiu à McLaren regressar aos títulos e para lá disso possibilitou a Ron Dennis voltar ao seu desejo de ver a marca britânica a construir carros de estrada, criando o SLR para a Mercedes. O envolvimento do construtor de Estugarda foi crescendo na McLaren, com a compra de quarenta porcento da ações da equipa, mantendo Dennis e Ojjeh trinta porcento cada um. Porém, quando em 2006 surgiu a possibilidade de a Daimler comprar o controlo acionista da formação de Woking, Dennis não aceitou a proposta, sendo apoiado por Mansour Ojjeh, com quem tinha um acordo tácito para votarem em uníssono.
A companhia de Woking passou, a partir de então, por algumas mudanças na sua estrutura acionista com a entrada da Bahrain Mumtalakat Holding Company, que comprou trinta porcento do capital, adquirido em igual parte a Dennis e a Ojjeh.
Quando a Mercedes perdeu o interesse na McLaren para comprar a Brawn, no final de 2009, o fundo baremita assegurou mais vinte porcento das acções e os dois amigos desde os anos oitenta mais dez, mantendo o duo o acordo tácito de votar sempre uníssono.
Entretanto, Ron Dennis fora afastado do comando da equipa depois do escândalo de espionagem que envolveu a equipa de Woking e a Ferrari, concentrando-se na edificação da McLaren Automotive, um dos seus sonhos e que tem vindo a tornar-se num caso de sucesso com cerca de quatro mil carros vendidos por ano.
Apesar do afastamento do inglês da liderança da equipa de Fórmula 1, que agora tinha ao leme Martin Whitmarsh, indigitado por Dennis, tudo parecia correr bem no seio das empresas McLaren, mas em 2012 tudo acabaria por se precipitar e dar-se o início do fim do reinado do inglês oriundo de Woking.
O princípio do fim
O Bahrein passava então por algumas convulsões sociais, existindo a dúvida entre as equipas se a prova de Sakhir deveria ser levada a cabo.
O assunto foi discutido no Conselho de Administração da McLaren e claro que a Mumtalakat estava de acordo com a realização do Grande Prémio do Bahrein, ao passo que Dennis estava contra, tendo Ojjeh votado com o seu parceiro de longa data. Porém, cabia ao saudita desempatar a contenda na qualidade de Chairman, colocando-se ao lado dos homens do Bahrein.
O orgulho do inglês veio ao de cima, sentindo-se traído pelo seu companheiro de longos anos, iniciando-se uma guerra pelo poder no seio da McLaren.
Dennis destituiu Whitmarsh do comando da equipa de Fórmula 1, regressando ao comando das operações e tinha como objetivo reunir as condições financeiras para comprar as acções de Ojjeh e da Mumtalakat, mas a oferta que fez não agradou a estes, que acabaram por decidir por o colocar fora da estrutura de Grandes Prémios no final de 2016.
Na sexta-feira passada foi anunciado que Ron Dennis vendera a sua posição acionista aos seus antigos parceiros, inclusivamente da McLaren Automotive, deixando de ter qualquer relação com a empresa que no fundo moldou ao longo dos últimos trinta e sete anos.
Tal como chegara, de forma imposta, a saída do inglês foi também forçada de forma implacável tal e qual como agiu em alguns momentos da sua carreira ao mais nível, tendo a sua personalidade sido de importância capital para levantar a equipa, mas também responsável pelo seu afastamento.
Ron Dennis já nada tem a ver com a McLaren, mas deixa uma empresa com mais de três mil e quinhentos funcionários com um turnover de quase mil milhões de euros por ano e nas páginas da história dezassete títulos e cento e cinquenta e oito vitórias.
São números impressionantes para alguém que começou como mecânico da Cooper em 1966 e, só por isso, terá o seu próprio espaço na história da categoria máxima do desporto automóvel…
Jorge Girão
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