Os trágicos acontecimentos de 1986 obrigaram a alterações profundas na competição, que passou a evoluir em torno de uma palavra: segurança. Órfão de César Torres a partir de 1997, o Rali de Portugal ficou mais frágil, não resistindo à tormenta que inundou a edição de 2001 e ditou o seu afastamento do Campeonato do Mundo de Ralis.
Aquele que era o Mundial mais aguardado de sempre, acabou por ser considerado um “annus horribilis” para os ralis. A tragédia de Sintra e o acidente que vitimou, dois meses depois, Henri Toivonen e Sérgio Cresto, na Córsega, levaram a FISA a concluir que os carros de Grupo B eram imprevisíveis demais para correr em estradas do dia-a-dia e com o público ali tão perto. O Rali Olympus de 1986, assinalou a despedida dos “monstros”, uma vez que a Federação Internacional baniu aquela categoria e definiu as novas regras que vigorariam nos anos seguintes.
A partir de 1987, o expoente máximo passou a ser o Grupo A, com carros baseados nos modelos de série e metade da potência dos seus antecessores. A segurança deste desporto começou a ser olhada com outro rigor, no que toca à construção dos bólides, mas sobretudo no que à colocação dos espectadores diz respeito. Mantendo-se à frente da comissão organizadora, César Torres passou o testemunho a Luis Salles Grade na direcção da prova. Previsivelmente, as estradas de Sintra, local de lutas épicas e desfechos memoráveis, foram abandonadas, sendo substituídas por uma classificativa no Autódromo do Estoril, cujo vencedor seria um jovem chamado Carlos Sainz. Ao volante de um Ford Sierra, o piloto madrileno protagonizaria nos anos seguintes uma notável ascensão e as florestais portuguesas nunca mais foram as mesmas. Milhares de adeptos espanhóis começaram a atravessar anualmente a fronteira, emoldurando as estradas do alto Minho ao centro do país, para ver o seu ídolo.
Este foi o ano em que Jean Ragnotti, conduzindo um Renault 11 Turbo de duas rodas motrizes, fez tremer a favorita Lancia. Markku Alen, o líder à entrada da última etapa, vinha perdendo tempo para o francês, já que o seu Delta 4WD acusava problemas de amortecedores e a marca italiana esgotara o stock de peças suplentes. A solução passou por mandar vir amortecedores de Itália, que chegaram de avião, mesmo a tempo de equipar o carro do finlandês antes da demolidora ronda de Arganil e numa altura em que apenas 4 segundos o separavam de Ragnotti. Alen estabelecia assim o recorde de 5 vitórias num rali em que Joaquim Santos, em Ford Sierra, foi o melhor português.
O TRI DE BIASION E BICA
Até ao final da década de 80, a Lancia não teve adversários. O Delta era o melhor dos Grupo A e Massimo Biasion, tirando partido da vantagem face aos Mazda 323, Volkswagen Golf e Toyota Celica, triunfou nas edições de 1988 a 1990. Também a nível nacional, o Delta dominava os acontecimentos. Em 1988, ainda foi o Renault 11 Turbo de Inverno Amaral a chegar ao Estoril em primeiro, vingando-se assim dos problemas sofridos no ano anterior, mas a partir de 89, Carlos Bica impôs em três anos consecutivos a superioridade do carro italiano. No limiar da década de 90, os Delta contavam já com a forte oposição da Toyota, que capitalizava os dotes de Carlos Saniz no desenvolvimento do Celica GT4. O Espanhol celebrou em 1991, a primeira vitória de um carro japonês no rali de Portugal, depois de um duelo à chuva com o piloto da Lancia, Didier Auriol, só decidido em Arganil. Doze meses depois, Juha Kankkunen beneficiou de um rali para esquecer por parte da Toyota e do despiste do seu companheiro Andrea Aghini, rubricando a última vitória do Delta entre nós. Tal como a Lancia, também Joaquim Santos se despediu dos ralis, com mais uma vitória entre os portugueses.
A Toyota foi a grande ausente em 1993. Depois de alguns anos a padecer da falta de competitividade do Sierra, a Ford aparecia com o novo Escort Cosworth, mais ágil, a permitir uma importante dobradinha a François Delecour e Massimo Biasion. Numa prova em que Carlos Sainz deu várias cambalhotas com o Delta da Jolly Club em Montim, a família Bica aumentou o espólio de troféus com o irmão Jorge a conquistar o lugar de melhor português, ao volante de outro Delta.
O REGRESSO DO TAP
Em 1994, a companhia aérea nacional voltou a ser o principal patrocinador e o rali retomou o apelido “TAP”. François Delecour partiu disposto a repetir a vitória, mas no início da segunda etapa, em Lousada, e tal como acontecera dois anos antes, o motor do Ford calou-se e a desistência foi inevitável. Desta feita, a dobradinha esteve a cargo da Toyota, com Kankkunen a levar a melhor sobre Didier Autiol. Fernando Peres, em Escort Cosworth obteve um excelente quinto lugar, logo atrás dos pilotos de fábrica e na sexta posição ficou José Carlos Macedo, que levou o Clio Williams à vitória na novel categoria F2, com carros até 2 litros e duas rodas motrizes.
Em 1995, surgiam importantes alterações no figurino do TAP. Com vista à redução dos custos, a FIA decretara o fim dos ralis mistos, pondo termo à etapa inicial em asfalto, que ligava o Estoril à Póvoa do Varzim. O centro nevrálgico da prova mudou-se então para a Figueira da Foz, local de partida e chegada dos participantes. Juha Kankkunen liderou grande parte da contenda, mas Carlos Sainz protagonizou uma espectacular recuperação, colocando o Subaru Impreza no primeiro lugar a dois troços do fim. Ambos percorreram os quilómetros finais completamente ao ataque, mas o piloto do Celica não conseguiu recuperar o comando, ficando a 12 segundos do espanhol. Rui Madeira, em Mitsubishi Lancer, foi o primeiro dos lusos, e a vitória no Grupo N abriu-lhe as portas para a conquista da Taça FIA, no final do ano. O piloto viria a ser o melhor português noutras quatro ocasiões, em 96, 98, 99 e 2001.
Viviam-se novamente tempos de maior emotividade. Os carros de Grupo A haviam evoluído e eram já tão rápidos como os Grupo B. A entrada de novos construtores trouxera maior competitividade e as lutas entre a Toyota, Ford, Subaru ou Mitsubishi atraíam multidões. Alvo de maior rigor no que toca à sua colocação, milhares de espectadores continuavam a deslocar-se às florestais, combatendo as horas de espera ao frio com reconfortantes fogueiras e generosos farnéis. O Mundial conhecia novas paragens e a pressão dos custos levou a FIA a instituir um esquema de rotatividade que deixou o Rali de Portugal fora do campeonato em 1996. Nesse ano, a prova apenas contou para o Mundial de 2 litros, uma espécie de segunda divisão dos ralis. Sem as equipas de fábrica, Rui Madeira aproveitou uma oportunidade de ouro para vencer à geral, enquanto Jesus Puras, em Seat Ibiza levava a melhor na F2.
Madeira voltaria a estar em destaque na edição seguinte, já integrada de novo no Mundial. Com um Impreza do “All Star Team”, intrometeu-se nos lugares da frente, venceu quatro troços à geral, e apenas um despiste em Vieira-Cabeceiras o impediu de lutar pelo Pódio. O abandono dos novos Subaru WRC, quando a prova ia ainda no início, facilitou a vida a Tommi Makinen, que, na Figueira da Foz, abriu o champanhe em cima do capot do Mitsubishi Lancer de Grupo A. Adruzilo Lopes conduziu o Peugeot 306 Maxi ao último lugar do Top 10, repetindo o título de melhor português em 2000. No final de 97, o mundo dos automóveis é abalado pela morte do pai do Rali de Portugal. César Torres era então uma das principais figuras da FIA, e ao partir, deixou o rali mais vulnerável e a posição do país enfraquecida junto das altas instâncias internacionais.
Nos dois anos seguintes, o espectáculo o protagonista chamou-se Colin McRae. Em 98, distanciou-se logo na primeira manhã, em Fafe, mas o motor do Impreza WRC foi perdendo óleo ao longo das etapas e com isso, toda a vantagem amealhada. No último troço, McRae e Sainz entraram separados por meia dúzia de segundos. O espanhol ganhou 4,7 em Amarante, mas a vitória coube ao escocês pela diferença mais curta até então: 2,1segundos! No ano seguinte, já com o Focus WRC, McRae voou nas classificativas.
iniciais em Ponte de Lima, gerindo depois a vantagem até ao fim. Nesta altura, o coração da prova situava-se já em Matosinhos e o seu director era então António Mocho, depois de alguns anos em que o leme esteve entregue a Eduardo Portugal Ribeiro.
O ano 2000 registou nova luta até ao último metro. Marcus Gronholm, em Peugeot 206 WRC, iniciou a última etapa na frente, mas Richard Burns, estreando a versão P2000 do Impreza, atacou nas derradeiras Especiais em Ponte de Lima e em mais um final de antologia, levou a melhor por 6,5 segundos!
O final empolgante de 2001, no qual Tommi Makinen, em Mitsubishi Lancer, recuperou a liderança no último troço em Ponte de Lima, deixando Sainz, em Ford Focus a apenas 8,6 segundos, foi ofuscado pelo demolidor temporal que se abateu sobre o país, convertendo os troços num autêntico mar de lama. Nenhum veículo de duas rodas motrizes conseguiu chegar ao final, em Santa Maria da Feira. Os relatórios dos observadores da FIA deram nota negativa organização, alegando que esta não deveria ter permitido a realização de alguns troços. O organismo internacional penalizou mesmo a forma como a direcção da prova tomou decisões que punham em risco a segurança dos pilotos, sem se aconselhar junto da FIA. As duras críticas tiveram consequências dramáticas para prova portuguesa, que já não integrou o Mundial de 2002, sendo então substituída pelo Rali da Alemanha. Os palcos de Fafe, Viseu, Ponte de Lima, Arganil e muitos outros, baixaram o pano, despedindo-se dos melhores artistas do mundo, na esperança de que um dia, o espectáculo volte àquelas paragens…