Attilio Bettega: Córsega ‘maldita’ (19/02/1953–02/05/1985)
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Attilio Bettega nunca venceu nenhum rali do Mundial, ou se aproximou do título. Porém, pela sua simpatia e pelas suas qualidades humanas, foi um dos mais queridos pilotos da sua época. Humildade, lealdade, honestidade, eram os grandes vectores da sua personalidade e, quando sofreu o seu primeiro acidente, na edição de 1984 da Volta à Córsega, todo o mundo dos ralis manifestou preocupação pelo seu estado de saúde. Uma preocupação legítima e verdadeira, pois Attilio era, antes de mais, um homem sincero e amigo. A sua carreira iniciou-se cedo e, até se juntar à equipa oficial da Lancia, em 1982, pilotou para a Fiat, rodando com os medíocres Ritmo e, depois, com os 131 Abarth Rallye. O seu melhor lugar num rali do Mundial foi o segundo lugar no San Remo de 1984 – apenas a quarta vez em que subiu ao pódio, na sua carreira de piloto oficial. O italiano esteve sempre ligado intimamente com a tragédia. Um ano depois do seu primeiro acidente na Córsega, foi exactamente neste rali que perdeu a vida. Na quarta classifcativa, Zerubia, perdeu o controlo do 037 e despistou-se. Oazar foi que o carro embateu numa árvore precisamente do lado do piloto; e a violência do choque foi tal que o banco cedeu, provocando a morte imediata de Attilio. A seu lado, Maurizio Perissinot, perfeitamente ileso, nem queria acreditar na pouca sorte do seu amigo. Os seus fãs, também não.
Atílio Bettega era, ao tempo da sua morte, um dos mais talentosos pilotos de ralis italianos. Corajoso e com um talento raro, em especial em estradas de asfalto, era muito apreciado pela sua capacidade de trabalho acima da média. Tinha uma sensibilidade especial para o desenvolvimento dos carros e, por isso, foi ele um dos que mais contribuiu para o nascimento e evolução do Lancia 037 Rally. No início de 1985, o Lancia 037 Rally estava a chegar ao final da sua bem sucedida carreira e o seu sucessor, o brutal Lancia Delta S4 já tinha dado os primeiros vagidos. Bettega, por sua vez, estava a atingir a sua plena maturidade como piloto e era visto como um futuro utilizador do S4, um carro mais poderoso e capaz de o levar rumo a outros voos. Quiçá, à vitória que nunca conseguiu, apesar dos seus esforços e dos seus conhecimentos, ao volante do carro a que deu chama e alma – o 037 Rally.
Ligação umbilical ao Grupo FIAT
Attilio Bettega estreou-se nos ralis em 1972, com tenros 19 anos. Natural de Trento, em plenas montanhas Dolomites, desde cedo que se sentiu atraído pelos automóveis e pela velocidade. Mal tirou a carta, decidiu tentar perceber até que se sentia bem num rali. Pegou no carro da família, um Fiat 128 e inscreveu-se numa prova que costumava ver quase desde a porta de sua casa. A prova era local, é certo, mas já então uma das mais afamadas no calendário italiano: o Rally San Martino di Castrozza. Bettega, com aquele pequeno carro sem nenhuma preparação, chegou ao fim, em 42º lugar – e ficou de tal modo surpreendido que logo ali decidiu que era aquilo que queria. Sem sair da sua zona de “conforto”, tendo ganho a sua classe no Campeonato Regional Triveneto, no ano seguinte. Em 1974, pela primeira e única vez, deixou os carros da FIAT, passando a pilotar um Opel Kadett GT/E, que era preparado pela Carenini, em provas regionais e nacionais. Porém, apenas depois de ter ganho o Trofeo Autobianchi 112 Abarth, em 1977, se tornou notado e um nome emergente no panorama nacional das provas de estrada. Aquela competição, patrocinada pelo Grupo FIAT, estava integrada no Nacional de Ralis e, com o A112 Abarth da Grifone, Bettega venceu cinco das 14 provas do calendário, superiorizando-se a pilotos como Fabrizio Tabaton ou Vanni Fusaro.
Na entrega de prémios, Bettega foi apresentado a um senhor chamado Cesare Fiorio – que, por acaso, tinha um lugar de piloto vago num Lancia Stratos HF oficial, para o Rally Val d’Aosta. O piloto principal era nem mais nem menos que Sandro “Il Campionissimo” Munari e, no final do rali, o novato surpreendeu pela sua rapidez, maturidade e consistência, ao terminar em segundo lugar, atrás de Munari.
Impressionados, os responsáveis da equipa deram-lhe um Stratos ex-oficial com que, em 1978, fez várias provas dos campeonatos de Itália e da Europa. Os resultados foram suficientes para que, no final do ano, assinasse com a FIAT e, com um 131 Abarth, fez a sua primeira prova com as cores oficiais ainda nesse ano, no Val d’Aosta – onde, também pela primeira vez, se encontrou e fez dupla com aquele que ria ser navegador principal da sua vida e carreira: Maurizio Perissinot.
A partir daí, é História. A FIAT deu-lhe, nos anos seguintes, programas cada vez mais completos, tanto com o 131 Abarth, como com o mais modesto Ritmo 75 Abarth, em provas do Europeu e do Mundial (WRC). A partir de 1982, a aposta foi no novíssimo Lancia 037 Rally, que Bettega tinha ajudado a desenvolver. A sua estreia no 037 Rally foi na Córsega, mas um violento acidente (v. caixa) atirou-o para uma cama de um hospital e fê-lo estar parado um ano.
Regressou, portanto, em 1983 – na Córsega, claro! Este e o ano seguinte, foram os mais proveitosos do seu palmarés. Bettega, sempre com o Lancia 037 Rally, nunca venceu, mas subiu várias vezes ao pódio no WRC e terminou o campeonato de 1984 em 5º lugar. 1985 era para ser o ano da consagração, antes de mais elevadas voos, com o Delta S4.
Attilio Bettega era uma pessoa humilde, de bom trato, muito afetuoso. Simples e acessível, era muito educado e tratava os adeptos com respeito e muita simpatia. Por isso, adoravam-no. Bettega vivia com a sua mulher Isabella Torghele, sua namorada de adolescência e com quem fez o Trofeo A112 Abarth como navegadora, e os seus dois fllhos, Angela e Alessandro, em Molveno, junto de Trento, onde tinha um hotel, junto a um lago. Este seria o seu refúgio para quando se retirasse das competições. Quis o destino que assim não fosse.
Tour de Corse 1982: A primeira finta foi dele
Attilio Bettega tinha o destino marcado – e na Volta à Córsega. Foi aí que, pela primeira vez, enganou a morte, numa finta que foi dolorosa, mas a que sobreviveu, Três anos mais tarde, não foi bem assim e perdeu a parada. Dia: 7 de Maio 1982. Local: perto da pequena aldeia de Salvareccio, na PEC 11, que ligava Vescovato a Ponte Nuovo, a extensão de 59,10 quilómetros. Era a classificativa de abertura de Segunda Etapa da prova. Portanto, era manhã cedo.
Para Attilio Bettega, a Volta à Córsega era a sua prova de estreia ao volante do Lancia 037 Rally, carro que ele ajudara a desenvolver e com que nos meses anteriores tinha efetuado milhares de quilómetros de testes. E, talvez também por isso, a sua estreia estava a ser bastante positiva, encontrando-se no terceiro lugar da classificação geral quando o acidente aconteceu.
Pouco antes da aldeia de Salvareccio, Bettega perdeu o controlo do Lancia e bateu com violência num muro, do seu lado. O carro fez meio pião e imobilizou-se sob umas árvores, com o piloto no interior, preso pelas pernas, que quebrou em vários locais. Foram precisos cerca de 40 minutos para o retirar dos destroços, sendo de imediato transportado de helicóptero para o hospital de Turim, onde sofreu duas intervenções cirúrgicas. Enquanto os socorros se desenrolavam, o troço não foi parado, com os outros carros a passarem a pouco mais de um metro, e os ocupantes a olharem espantados e preocupados para o “espetáculo”.
Bettega seguia acompanhado pelo inevitável Maurizio Perissinot (01/02/1951 – 12/12/2004), o navegador com quem mais provas do Mundial fez e que, neste acidente sofreu ferimentos leves, nomeadamente algumas contusões, não necessitando de hospitalização. Refira-se aqui uma coincidência de certa forma estranha: o outro dos navegadores que acompanhou Bettega no Mundial dava pelo nome de Sergio Cresto.
Pelo contrário, Bettega passou os seis meses seguintes numa cama do hospital, em lenta recuperação e só regressou aos ralis em 1983. Ironicamente, fê-lo na… Córsega, terminando em 4º lugar! A edição da prova corsa em que teve o seu acidente foi ganha por Jean Ragnotti – o que viria a repetir-se três anos mais tarde. Mas, então, Attilio Bettega nunca o veio a saber…
Hélio Rodrigues
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Boas memórias nos ficaram. Obrigado pela competitividade, pela combatividade e simpatia.
Fica a memória da competição verdadeira, rara e de uma perícia invulgar.