Entrevista Armindo Araújo: “ESTOU ORGULHOSO DO QUE FIZ”

Por a 23 Setembro 2016 08:15


PERFIL


“A MOTORSPORT ITÁLIA FICOU TÃO OBCECADA COM A POSSIBILIDADE DE CRIAR UMA LIGAÇÃO COM A MINI, COMO A QUE O MALCOLM WILSON CONSTRUÍU COM A FORD, QUE PENSOU QUE AQUELE ERA O CAMINHO”

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“A FIA E A MINI ALEMANHA FICARAM COM UM PROBLEMA ENTRE MÃOS. SABIAM QUE ESTAVA A SER FEITA UMA VIGARICE E QUE ESTAVAM PERANTE UMA GRANDE MENTIRA. EU ERA O ELO MAIS FRACO”

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Armindo Araújo abriu as portas da casa dos pais para que púdessemos fotografar alguns dos seus objetos mais queridos. As miniaturas com todos os carros em que participou no Rali de Portugal fazem parte da lista

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Após quatro anos de clausura, Armindo Araújo soltou-se das amarras do silêncio para abrir o livro sobre o momento mais difícil da carreira. O único português a sagrar-se bicampeão do mundo da produção de ralis e a correr como piloto nº1 na categoria máxima conta-lhe os motivos que conduziram ao seu afastamento da equipa oficial da Mini, o porquê de estar afastado da competição e como tudo poderia ter sido diferente… ao lado de Sébastien Loeb!

André Bettencourt Rodrigues

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ARMINDO ARAÚJO: “Assegurar que os espaços dos meus patrocinadores se mantinham, não só nos ralis contratualizados, mas também nas restantes provas do Mundial, foi uma das cláusulas do meu acordo com a Mini. Ofereci de ‘borla’ o resto das provas, sem pedir mais um euro, como gratidão de quem apoiou toda uma carreira. Quando se dá o desfecho do Rali da Finlândia, eu já tinha cumprida o programa base com que me tinha comprometido, portanto os meus patrocinadores não foram prejudicados em nada, caso contrário teria que os ressarcir”, revela Armindo Araújo, sobre o que poderia ter sido um grande problema

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Foi no calor da residência dos pais, cujo anexo conta com uma majestosa sala recheada com quase todos os troféus de um percurso repleto de grandes momentos e muitas vitórias (a exceção são os dois galardões referentes aos títulos de campeão do mundo do PWRC, os únicos que tem na sua casa, no Porto) que Armindo Araújo acedeu ao pedido do AutoSport para uma das entrevistas mais reveladoras da carreira. Pode ter sido mera casualidade, mas gostaríamos de acreditar que o ponto de encontro escolhido deveu-se ao facto de, aqui, as memórias serem mais bonitas e felizes. Que, ao olhar para o relvado, a primeira coisa que lhe invade o pensamento é a pequena moto vermelha oferecida pelo tio, por ocasião da primeira comunhão, quando tinha seis anos. Ou o Mercedes preto, escondido na garagem, que “era da avó”, e em que aprendeu a conduzir.

O tempo passa, mas o passado continua presente. Hoje com 38 anos, o antigo tetracampeão nacional retirou-se oficiosamente dos ralis desde que foi afastado do WRC Team Mini Portugal, a equipa que, a partir do Rali da Suécia, deu lugar à Armindo Araújo World Rally Team com que iniciou, em Monte-Carlo, a época de 2012. No entanto, são ainda muitos os adeptos que gostariam de vê-lo de regresso à modalidade, algo que o antigo piloto descarta quase por completo, uma vez que entende não estarem reunidas as condições necessárias para que esse desejo se concretize. Curioso? Agarre-se ao banco do ‘pendura’ e desfrute da leitura:

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É mais fácil explicar o que te aconteceu, e até com outro nível de detalhe, às pessoas que fazem parte do teu círculo fechado. Mas, e o teu miúdo? Ele nunca perguntou porque é que o pai deixou de correr?

Claro que perguntou, e pergunta muitas vezes. É normal num miúdo de oito anos. Mas o que eu lhe digo, e o que ele pode compreender neste momento, é que o pai tem outra profissão. Que as corridas fazem parte do passado e que o pai tem hoje uma vida diferente da que ele chegou a acompanhar quando eu estava ligado aos automóveis. Mais tarde obviamente que irá perceber em concreto o porquê de eu me ter retirado tão cedo. Um dia pode ser que ainda façamos um rali. Irei fazê-lo com certeza, quando ele puder.

Assumes, portanto, que estás retirado da competição?

Eu abandonei completamente as corridas porque não existem condições para concretizar um projeto vencedor. As marcas abandonaram completamente o campeonato nacional, e só se consegue correr lá fora com o apoio de uma marca ou com recurso a fortunas privadas. O caso, por exemplo, do Nasser Al-Attyah, do Khalid Al-Qassimi ou do Martin Prokop. A VW não tem lugar para mais pilotos, a Hyundai idem, a Citroën está fora do campeonato neste momento e na Ford do Malcolm Wilson paga-se para correr. Não há mercado, e para se poder correr é necessário o financiamento das empresas dos países de origem, que têm aqui uma porta para se promoverem internacionalmente. Nós não temos no presente marcas, nem empresas, em Portugal, que se queiram promover internacionalmente, e desse modo a minha carreira terminou.

Ponderarias fazer o campeonato nacional com condições de topo se elas te aparecessem? Ou já não te atrai?

Longe disso. Não me envergonha nada correr no Campeonato Nacional, pelo contrário. Corrermos no nosso campeonato é muito prestigiante. Agora, neste momento não existem equipas oficiais – de importador, obviamente – no nosso país. Logo, essa é uma porta que está fechada. E eu só voltaria a correr nessa condição ou num projeto que tivesse assegurada toda a parte financeira e necessitasse de alguém que lhe desse todo o retorno na vertente desportiva. Não existindo esse projeto, eu não corro. Não estou a dizer que só regressaria se pudesse vencer todas as provas e o campeonato. Mas quero ter condições para poder lutar por esse tipo de resultados. Para fazer figura de corpo presente não contem comigo.

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Continuas a receber mensagens de apoio?

Sim.

E o que sentes quando as lês?

Sinto que são alguns saudosistas que se reconheciam nos meus projetos, na minha pessoa. Que têm alguma ligação comigo, e que gostavam de me ver na estrada. Eu respeito muito isso. Fico contente, orgulhoso. Mas, para dizer a verdade, acho que isso não vai ser possível.

O que falhou na tua ligação à Mini, e que conduziu ao desfecho que sabemos?

Desde o final de 2007, ainda com a Mitsubishi, até o Rali de Monte Carlo de 2012, eu tinha total controlo sobre tudo o que se passava na Motorsport Italia [antiga Ralliart Itália]. Controlava os patrocinadores, que eram meus. Fazia a gestão financeira e o recrutamento técnico. Tudo estava na minha mão, e tudo era gerido por mim e pela minha equipa, sobre o que se fazia e o caminho a seguir. Como eu já estava no início do campeonato e depois ia para a Suécia, com o México logo a seguir, e a Mini estava-me a pedir cotações e pequenos ‘grandes’ pormenores sobre como era fazer todo o campeonato comigo – alterações que queriam fazer na imagem do carro e da equipa –, eu acabo por cometer um grande erro ao colocar a Motorsport Italia, e neste caso o Bruno [di Pianto, diretor de equipa], a falar diretamente com eles. A partir dessa altura perdi o controlo do projeto.

O que significa que deixaste de estar no comando das decisões…

Passou tudo a ser gerido entre a Motorsport Italia e a Mini Alemanha, enquanto eu e um pouco a Mini Portugal começámos a ficar de lado da equação. Começou a haver um grande ‘show-off’ quanto à imagem do projeto, e apenas só isso. Ainda hoje tenho fatos e fatos novos, embalados, porque a nossa equipa vivia da imagem. Eram muitos fatos de corrida, grandes imagens, camiões com excelentes apresentações e roupas muito bonitas, mas tecnicamente estávamos dependentes do que a Prodrive nos fornecia.

O que por si só é um contra-senso.

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No fundo, a Prodrive é que fazia tudo. Desenvolveu o carro, tinha o ‘know-how’, os mecânicos, os engenheiros – a Mini era só o nome. Qualquer desenvolvimento era da Prodrive, a quem nós comprávamos os carros. Portanto, nós não desenvolvíamos nada. Éramos clientes e corríamos com aquilo que eles nos forneciam. A Prodrive fornecia o que lhes apetecia. O meu engenheiro era da Prodrive, as peças eram da Prodrive, o carro era da Prodrive. A Prodrive estava com problemas com a Mini e a Mini queria demonstrar que conseguia fazer o campeonato connosco. E por aqui logo se vê que estamos a falar de ligações completamente minadas.

Dizia-se que as suspensões do Countryman eram totalmente diferentes nas duas equipas…

Não vou entrar por aí porque temos que ter provas do que dizemos. Agora eu sei o que as decisões tomadas pela Prodrive me dizem: a Prodrive não queria fazer provas de terra. A Prodrive não ia à Grécia, à Argentina, nem a ralis em que os troços eram mais duros e se puxava mais pelo carro. A Prodrive não fazia essas provas porque o carro não aguentava. Eu cheguei ao Rali da Argentina e no primeiro troço o carro não andava. Não passava dos 20 km/h, em que me é dito: “Quando isto acontecer tu dizes que te apeteceu vir devagar porque não podes dizer que o Mini avaria.”

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É aí que se inicia a quebra de confiança?

Isto é obviamente mau, mas não foi o que resultou na ruptura. O problema foi que a Motorsport Italia ficou tão obcecada que poderia criar uma ligação à Mini, como a que o Malcolm Wilson construiu com a Ford, que pensou que aquele era o caminho de se tornarem numa grande potência. E como as coisas não estavam a correr bem, e eles não queriam perder isso, culparam o elo mais fraco: disseram que o problema era do piloto. O que é que acontecia? Sempre que o carro tinha um problema mecânico qualquer eles imputavam-me todos os problemas, dizendo que “o Armindo bateu”, “o Armindo teve um acidente”, quando nada era verdade. Isto aconteceu algumas vezes.

Mas não devias defender a equipa?

Eu já corri com carros e em condições que não eram as ideais, nem perfeitas, e disse que estava tudo bem. Porque são contingências de corrida e de momento em que temos de defender quem está connosco. Eu já cometi erros e a equipa também esteve comigo. Porque eu também sou falível. Eu também tenho acidentes. Mas nós temos que saber gerir esse compromisso. Agora eu pergunto-te: o Fernando Alonso está num Grande Prémio e entra na boxe porque o carro não anda. Ele não pode vir falar contigo, jornalista, e dizer: “Encostei ali porque me estavam a doer as costas – não quis continuar”. Porque aí não é uma parte desportiva. Já é uma falcatrua. Já estamos a falar de enganar toda a gente. O que estava a acontecer comigo não se resumia ao facto de estar mais ou menos confortável. É preciso saber se há condições para progredir ou não no terreno ou não. E portanto quando vais no terreno e o carro avaria, ninguém te pode dizer que tu tiveste um acidente, porque isso já não é estar a correr em condições melhores ou piores, é uma mentira que está a ser tornada pública declaradamente. Eu aguentei isso uma, duas, três vezes. Não foi à primeira. Fartei-me de lhes dizer: “Eu não quero que me defendam. Quero que falem a verdade. Porque se este carro não aguenta este tipo de troços, então vamos testá-lo e desenvolvê-lo para que os possa fazer. Porque se ele chega aqui e parte os braços da suspensão – a suspensão saia por cima do capot – alguma coisa não está bem. Eu estou aqui para ajudar e defender a marca. Agora não queiram imputar tudo para cima de mim.

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Foi aqui que se deu a tua ‘expulsão’ da Motorsport Itália?

Eu queixei-me a dizer que tudo o que se estava a passar era uma perfeita mentira. Até que no Rali da Grécia, após um comunicado a dizerem que eu bati, que arranquei uma roda, eu fotografei o carro e as peças, e demonstrei a toda a gente que não bati coisa nenhuma, e que o carro simplesmente não aguentava a dureza das provas do Campeonato do Mundo. Começou a haver um grande atrito porque eles queriam passar uma mensagem à Mini Alemanha e para todo o mundo de que eram uma equipa de primeira linha – e eu não digo que não. Agora, o material de que dispunham não lhes permitia fazer mais e eles não tiveram a honestidade suficiente para dizerem a verdade. Quando imputaram-me erros consecutivamente houve um dia em que ‘enchi’ e comecei a dizer que as coisas não eram bem assim. Eles não ficaram agradados e tentaram pôr-me fora da estrutura. Talvez aí tenham demonstrado o que sempre foram.

Quando é que isso aconteceu?

Foi a seguir ao Rali da Finlândia. Dizem-me que me queriam foram da equipa e para eu simular uma lesão. Fizeram-me uma proposta para eu me fazer de doente, que tinha tido um acidente de mota, que o fisioterapeuta não me dava autorização para correr à conta de um problema nas costas, ou então que não conseguia correr à conta da pressão. Se me conhecessem melhor saberiam que eu nunca o iria fazer, e a partir do momento em que fui confrontado com tamanha ilegalidade e tamanha mentira, a única coisa que eu fiz foi pegar em tudo aquilo que eles me propuseram e entregar a documentação recolhida na FPAK, ao falecido Luiz Pinto Freitas, à comissão do Mundial de Ralis e à FIA. Enviei tudo para a Michèle Mouton e para todo o comité da FIA, inclusivamente para o Jean Todt. Fiz o mesmo para o Carlos Barbosa, do ACP, para a Mini Alemanha e para a Mini Portugal, contando tudo o que se estava a passar.

E que resposta te deram?

Ficou tudo numa situação muito cinzenta. Quando me fazem a proposta para eu me fazer de doente, de modo a que eu não fosse ao Rali da Alemanha, eles já tinham tomado essa decisão. Pediram à Mini Alemanha para mudarem a minha inscrição para o rali, o que não é permitido tendo em conta que eu era o piloto titular nº1 numa equipa oficial. Mas alguém na Mini Alemanha se atravessou para a FIA e assinou para que eu fosse substituído na equipa. Sem me consultar, sem me perguntar o que fosse e também sem perguntar à Mini Portugal o que se passava. Tudo antes de eu confrontar todas estas entidades que estava de perfeita saúde. Fui a um hospital, fiz todos os testes, e tenho todos os documentos em como estava apto psicológica e fisicamente para fazer corridas.

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Se efetivamente eras o proprietário da licença da equipa, como é que a puderam utilizar e manter o mesmo nome?

A licença WRC Team Mini Portugal foi paga pessoalmente por mim na Federação Portuguesa. Que a paguei eu pessoalmente e que que era minha. Quando eles me pedem para utilizar essa licença com outro piloto para o rali da Alemanha, e eu não o permiti, a FIA autorizou que eles tirassem uma licença com o mesmo nome na federação italiana. Uma coisa também muito estranha.

Qual o motivo para que isso tenha acontecido, na tua opinião?

A FIA e a Mini Alemanha ficaram com um problema entre mãos. Sabiam que estava ali a ser feita uma vigarice e que estavam perante uma grande mentira. Mas também não queriam ‘entalar’ um construtor. Eu era o elo mais fraco em todas as partes e as coisas foram mais ou menos ‘abafadas’ desta forma. Mas até um determinado ponto: apesar da minha saída, os resultados mantiveram-se e a Mini saiu pela porta ‘pequena’ do Campeonato do Mundo de Ralis, enquanto a Motorsport Italia foi desmembrada e vendida para um novo proprietário que já não corre com carros da marca. Portanto, foi o fim da equipa, do sonho, e de quem quis em cima de uma mentira construir uma coisa que nunca seria verdade. Não respeitaram quem os levou para o Mundial de Ralis, quem lhes deu dois títulos mundiais. Fica essa mágoa, e fica a consolação de que eu não verguei perante os logros e perante ser forçado a dizer coisas que não eram verdade, o que faz com que a minha consciência esteja muito tranquila relativamente a todo este processo.

Como é que os teus patrocinadores encararam esta situação?

Eu tive uma sorte muito, muito grande, porque toda esta situação poderia ter sido um grande problema. Eu tinha negociado um programa de seis provas e quando a Mini me propõe fazer o Mundial, uma das cláusulas para eu aceitar esta mudança foi que os espaços dos meus patrocinadores se mantivessem, não só nos seis ralis contratualizados, mas também nas restantes provas do Mundial. Portanto, ofereci de ‘borla’ o resto das provas, sem pedir mais um euro, como gratidão de quem me apoiou toda uma carreira. Quando se dá o desfecho a seguir ao Rali da Finlândia, eu já tinha cumprido o programa base com que me tinha comprometido com eles. Portanto os meus patrocinadores não foram minimamente prejudicados em nada, porque eu já tinha realizado as provas que tinham sido pagas. Caso contrário teria que os ressarcir.

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Arrependes-te de teres continuado com a Mini e com a equipa em 2012?

O projeto Mini estava a começar e assentava numa marca nova que aparentemente era muito ambiciosa. Em 2011, a Motorsport Itália pede-me para ver se conseguia reunir algumas verbas de forma a corrermos com o Countryman WRC, porque eles queriam dar o salto para a categoria máxima e porque a marca era também aquela que no fundo oferecia as melhores condições ao nível de preço. Fui ter com a Mini Portugal, que desde início se mostrou muito ponderada, sem nunca entrar em grandes sonhos, mas sempre a acreditar em mim. O carro tinha alguns problemas que nós achávamos que eram de juventude e que poderiam ser colmatados, e portanto as coisas foram andando.

Nunca ponderaste outra opção?

É evidente – hoje já o posso dizer – que no final de 2011 eu não estava já muito agradado com a evolução que do carro. No início do ano era uma coisa, mas eu pensava que no final da temporada o Countryman já deveria estar mais evoluído e competitivo. Daí que logo a seguir ao Rali de Gales de 2011 tenha ido direto para a M-Sport testar um Ford Fiesta a convite do Malcolm Wilson. Eu levei o Bruno para esse teste, porque como equipa todos nós tínhamos de saber o que estávamos a fazer, e tudo correu muito bem. E tentei convencê-lo a comprar um Fiesta para de 2012, até porque as condições eram muito interessantes por parte do Malcolm Wilson. Nós já tínhamos um relacionamento desde 2005, quando eu fui lá pela primeira vez num teste proporcionado pelo ACP. Só que o negócio acabou por não ir para frente porque o Bruno acreditava que a Mini poderia investir mais. Que a Motorsport Itália podia seguir ali um caminho próprio com a marca. E no fundo eu também era sensível esse argumento, porque ao trabalhar diretamente com um construtor poderíamos abrir ali uma nova porta para o futuro. Foi um bocado nessa base que as coisas se mantiveram inalteradas para 2012 – o ano em que se atinge o pico e o fundo de uma carreira. É o ano em que eu monto um projeto idêntico ao de 2011. Um projeto privado, com um WRC Mini, para fazer seis provas, como tínhamos planeado no ano anterior. Quando estava prestes a iniciar o campeonato criei uma equipa com o meu nome, que era a Armindo Araújo World Rally Team, a designação que foi para Monte-Carlo. Até que me ligam a dizer que a Prodrive estava com problemas com a Mini, e a Mini com a Prodrive, perguntando-me se eu não fazia com eles todas as 13 provas já que necessitavam de cumprir o calendário para cumprir o acordo estabelecido com a FIA e poderem homologar o carro.

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Sentes que foste traído pelo Bruno?

Muito, muito traído. Eu era um piloto da Motorsport Italia e fui muito ajudado por eles, admito que fui. Mas eu também ajudei muito aquela equipa e tratei-a como se fosse uma empresa minha, na qual arranjei muitos clientes, vendi muitos carros e fiz tudo para que fosse desenvolvida. O Paulo Nobre foi para lá porque eu trouxe-o para a equipa, o Michal Kosciuszko a mesma coisa. Eu tinha uma excelente relação com eles, mas vim mais tarde a perceber que realmente não eram as pessoas que eu julgava. E fui traído. Fui traído por uma pessoa em quem confiava muito.

Chegaste a procurar um projeto alternativo em 2012?

No famoso Rali de Finlândia de 2012, onde tudo acabou, eu tive uma reunião com o diretor desportivo da Citroën, o Yves Matton.

Para correr com um Citroën? O que discutiram?

Disse-lhe que estava a chegar a uma situação insuportável na Mini, e que não conseguia mais estar na equipa porque o carro não era evoluído e não aguentava os ralis mais duros. Tinha que ir para um troço a poupar e a fugir dos buracos. O Grupo N aguentava mais! E que gostava muito de ver condições para poder correr com um Citroën.

Qual foi a resposta dele?

Ele faz-me uma proposta interessantíssima, propondo-me guiar o terceiro carro da Citroën no Campeonato do Mundo, com umas condições financeiras bastante vantajosas. Agora, o “bastante vantajosas” eram muito para mim obviamente, e eu não tinha esse ‘budget’. Nós conhecíamo-nos muito bem porque ele já tinha ocupado a função de diretor-geral do departamento de clientes da marca e acompanhava-me diretamente quando eu corria pela Citroën Portugal. Disse-me diretamente: “Armindo, eu conheço-te. E ou aconteceu alguma coisa contigo, ou realmente há algo que não bate certo. Eu acredito no teu trabalho. Temos os nossos dois pilotos titulares, portanto proponho-te o terceiro carro e logo vemos o que vai dar. Eu mando-te imediatamente as condições para tu analisares, e se conseguires guias o terceiro carro, a partir deste ano ou do próximo. Recebi uma proposta fantástica que me permitia ser colega de equipa do Loeb, mas não consegui lá chegar.

E no ano seguinte, 2013?

Aiinda tentei perceber como é que poderia montar um novo programa, mas a Galp queria afastar-se completamente da competição – o meu já era o último – e a Portugal Telecom também começar a sofrer os problemas que conhecemos. Abandonaram todo o projeto do Dream Team, que já acabou, e eu deparei-me basicamente que já não tinha a base dos meus patrocínios para criar um projeto desportivo. Foi um momento um bocadinho difícil, mas o que eu decidi foi que, sem condições, não corro mais.

Imagino que tenhas sido consumido por uma sensação de impotência…

É a noção de que é um sonho que morre e é uma sensação de impotência, como referiste. Sabia que basicamente a minha carreira estava terminada por ali e sabia-o porque eu não consiguia em Portugal arranjar novamente financiamento para por exemplo pagar à Citroën, onde tinha a porta aberta. Porque a minha vontade imediatamente ao que aconteceu na Finlândia era apresentar-me no rali seguinte, na Alemanha, num Citroën ou num Ford. Essa era a minha grande vontade. Mas nós não podemos ir pelos nossos impulsos, nem eu posso colocar a minha vida pessoal em risco com decisões que posso ser incapaz de cumprir. E as provas do campeonato do mundo custam muito dinheiro.

Como lidaste com esta nova realidade?

Foi difícil. Foi um momento muito difícil. Obviamente que trabalhei toda a minha vida para chegar a um determinado objetivo e de um momento para o outro tudo acabou. Mas temos de ser fortes. Temos de nos focar no que estava a acontecer. Eu não podia fazer nada.

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Perdeste de certa forma o encanto pelos ralis?

É verdade que eu nunca mais guiei um carro de ralis. Nunca mais vesti um fato de competição, desde 2012. Nunca mais pus um capacete. Mas é uma decisão muito pessoal e é uma forma de estar na vida. Não me motiva minimamente andar a arrastar-me pelas provas sem condições. Fazer uma prova hoje sem garantias de poder repeti-la amanhã, com carros mal preparados e em equipas más. Quem me conhece sabe que nunca o faria. Daí considerar que a minha carreira terminou. O meu regresso? Só nas condições que falámos há pouco. Se eu acredito nele? Com a conjuntura atual, não. E portanto o que foi feito, foi feito. Orgulho-me do meu palmarés. Fiz o que me foi possível e corri sempre com aquilo que os patrocinadores me permitiram fazer. Corri com o apoio de algumas das melhores empresas de Portugal e trabalhei com três marcas de topo, a Citroën, a Mitsubishi e a Mini. Sou um felizardo.

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Tornou-te mais forte?

Claro. Tudo o que não te mata torna-te mais forte, e mais atento para situações futuras. Talvez eu tenha confiado em demasia em determinadas pessoas. O momento em que eu passei o projeto para as mãos do Bruno foi a ruína de tudo, mas ao mesmo tempo também me mostra que enquanto fui eu a gerir as coisas, o que eu fiz foi bem feito e teve os resultados certos.

É a razão para, nos últimos anos, teres-te remetido ao silêncio?

Também tem que ver com o facto de muito do que se diz ser depois interpretado pelas pessoas à sua maneira. Toda a gente gosta de dar a sua opinião. Por exemplo, eu sou muito confrontado com o motivo para não ter ido para um Citroën ou um Ford, em vez de um Mini. Que ninguém pense que eu sou assim tão maluco para tomar a decisão do Mini só por ser um Mini. Tomei-a porque era a única possível. Porque se me tivessem dito que eu podia escolher o carro que eu quisesse, independentemente de tudo, eu teria escolhido um Citroën, obviamente, e se fosse hoje escolheria um Volkswagen. Penso que não é muito difícil entender isto. Tinha os apoios para aquele carro e porque se conjugava uma série de outras coisas para que só conseguisse chegar ali. Tínhamos de fazer o melhor possível com o que se encontrava à nossa disposição, e foi o que fiz toda aminha vida. Depois, não vale a pena estar a alimentar esperanças quando não existe nada. Quando não tenho nenhum projeto.

Apesar do desfecho, retirarias a experiência que tiveste no WRC, a categoria máxima do desporto?

Talvez tivesse feito umas pequenas mudanças aqui e ali (risos).

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Nota: Entrevista realizada em março de 2016

 

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Kimi Iceman
Kimi Iceman
8 anos atrás

Uma vergonha o que fizeram com o Armindo! Mas não é novidade nenhuma que os portugueses são sempre o bombo da festa, quando acontece alguma coisa a culpa é sempre dos portugueses, nunca dos outros.

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