Um português na FIA
Nuno Costa é natural de Braga e trabalha no departamento de Segurança da Federação Internacional do Automóvel (FIA) em Genebra, na Suíça. O AutoSport revela o trabalho deste português responsável pela homologação de equipamentos que salvam a vida a milhares de pilotos em todo o mundo.
É um dos poucos portugueses que trabalham a full time na Federação Internacional do Automóvel. Pode explicar em que consiste a sua função?
Estou inserido no departamento de Segurança da FIA, na Suíça, onde sou responsável pela homologação de equipamentos de segurança, desde capacetes, cintos de segurança, travões, a depósitos de combustível, entre outros. Quando um fabricante nos envia um produto, por exemplo a Sparco ou a OMP, eu comparo as suas características com as normas e padrões da FIA e coordeno a sua homologação. Além disso, também atualizo e crio regulamentos nesta área, e estou ainda ligado à aprovação de laboratórios externos que realizem testes e investigação para nós.
O departamento de Segurança em Genebra está dividido em três sub-departamentos: Médico, que trata por exemplo das normas e controlos anti-doping; Circuitos, que coordena a homologação e simulação de pistas; e Homologação de Equipamentos, que é onde eu trabalho.
Foi comissário técnico no Clube Automóvel do Minho e fez a licenciatura e doutoramento em Engenharia Mecânica na Universidade do Minho. Pode detalhar um pouco mais o seu percurso até chegar à FIA?
Comecei a colaborar com o C.A.M. quando tinha 13 anos, sempre tive uma paixão enorme pelo desporto automóvel, desde os ralis à Fórmula 1. Fui tendo várias funções nas provas do clube, principalmente como comissário técnico, inclusive em provas internacionais como o karting, a Rampa da Falperra e o Europeu de Turismos (ETCC). Além disso, fui comissário técnico no Rali de Portugal, que é algo que ainda hoje gosto de fazer até para rever amigos agora que estou mais longe, e cheguei a ser comissário técnico-chefe do Mundial de Karting de 2009 em Macau. Foi através destes eventos internacionais que fui conhecendo as pessoas da FIA, fui percebendo este meio e explorando cada vez mais o lado dos regulamentos técnicos.
Fiz a tese de doutoramento na empresa Mahle, que fornece componentes de motores para várias marcas, inclusive na Fórmula 1. Nessa altura soube que tinha aberto uma vaga para o FIA Institute, que é uma entidade independente da FIA que faz investigação e desenvolvimento de sistemas inovadores que possam melhorar a segurança das provas. Perguntei a um dos elementos da FIA que eu tinha conhecido no Rali de Portugal e ele disse que como o Institute era algo separado, não sabia como concorrer mas que havia necessidade de uma pessoa na própria FIA para a homologação de equipamentos de segurança. Enviei o meu currículo e chamaram-me para começar a trabalhar em Genebra em Março de 2011.
O capítulo da segurança foi assumindo cada vez maior preponderância nas grandes competições internacionais e o certo é que, hoje em dia, o número de mortes por exemplo na Fórmula 1 ou nos ralis é muito menor do que há duas décadas atrás. A que se deveu este salto qualitativo?
Sobretudo ao investimento feito na investigação e desenvolvimento de novas tecnologias e à análise rigorosa dos acidentes que foram acontecendo. Hoje em dia, qualquer acidente no automobilismo, seja fatal ou não, pode ser reconstituído com grande precisão e conseguimos perceber o que correu bem ou mal, a eficácia dos sistemas, as suas vulnerabilidades. Depois há toda uma equipa multidisciplinar na FIA, desde médicos a engenheiros, que analisam todas as vertentes possíveis de modo a reduzir os riscos para o piloto. É disto que se trata: investigar, desenvolver e reduzir os riscos ao máximo. Foi esta mentalidade que permitiu poupar imensas vidas nos últimos anos e que continua a orientar o nosso trabalho.
Qual é o grande projeto que a FIA tem em mãos na área da segurança?
Quando cheguei à FIA fiquei maravilhado com os recursos à nossa disposição e com o que ainda é possível fazer para melhorar a segurança dos pilotos e das provas em todo o mundo. Um dos projetos mais recentes, lançado este ano, é uma base de dados sobre acidentes à escala mundial, que permitirá recolher imensos dados e estatísticas que depois podem ajudar a FIA e as federações nacionais. Hoje em dia, talvez o nosso grande desafio seja trazer o nível de segurança que já existe em grandes campeonatos como a Fórmula 1, o WTCC ou o WRC para as categorias mais baixas, para as competições nacionais sem que isso acarrete um aumento incomportável dos custos.
Como português que chegou a uma organização de topo na sua atividade, que conselhos daria a outros jovens portugueses que tenham o sonho de trabalhar no automobilismo mundial?
Sobretudo que nunca pensem que é impossível. Não concordo com aquele complexo de inferioridade que por vezes existe em Portugal. Basta ter paixão e foco, é preciso concentrarem-se no seu objetivo, trabalharem muito e compreenderem que as grandes conquistas envolvem sacrifício. Eu trabalho com pessoas de várias nacionalidades, desde franceses, a turcos, a angolanos, a suíços. Nunca me senti menosprezado por ser português. A competência e a ambição não têm nacionalidade.
Trabalhar com Charlie Whiting
Imerso no centro de decisões da FIA no que toca à segurança, Nuno Costa já se habituou a ter reuniões e conferências com os principais elementos ligados à federação internacional. Do veterano Peter Wright (consultor de investigação do FIA Institute) ao mediático diretor de prova da Fórmula 1, Charlie Whiting, o jovem português diz que as principais mentes da segurança do desporto são também pessoas de trato fácil. “Se pensarmos em pessoas como o Charlie Whiting, com toda a experiência e estatuto que ele tem na Fórmula 1, podemos achar que são pessoas algo inacessíveis mas na realidade é o contrário. São pessoas extremamente abertas ao diálogo, prontas a debater os assuntos com o máximo empenho e abertura. O único problema é que também são pessoas extremamente ocupadas e normalmente não temos muito tempo para conversar.”
Nuno Costa também refere não ter conhecimento direto de outro português que trabalhe na FIA a tempo inteiro, apesar de conhecer os casos de colaboradores como Eduardo Freitas, atual diretor de corrida do Mundial de Resistência (e no passado do WTCC), ou Carlos Barros, ex-diretor da Peugeot Sport Portugal que passou a delegado técnico no WTCC e no Europeu de Camião Racing. “Ainda não tive grande contacto com eles. Uma pessoa que me ajudou imenso foi o engenheiro João Rito, que está ligado ao C.A.M. e que chegou a ser comissário técnico da FIA no karting”, refere Nuno Costa. “Somos poucos mas normalmente neste meio temos reconhecimento pela competência.”
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