O homem que lidera o gigante Volkswagen
O AutoSport fez uma entrevista exclusiva a Jost Capito, uma das peças-chave do sucesso retumbante da Volkswagen no WRC. Depois de passagens pela BMW (onde começou como engenheiro de motores, em 1984), Porsche, Sauber (na Fórmula 1) e Ford/M-Sport, o alemão dirige a estrutura campeã do Mundo com uma abordagem científica e disciplinada, um método que optimizou um orçamento milionário para erguer uma equipa praticamente perfeita e uma máquina quase imbatível, o Polo R WRC. E, claro, ter os dois melhores pilotos disponíveis no mercado também ajuda… por Ricardo S. Araújo
AutoSport: Durante o último Rali de Portugal, houve uma reunião na motorhome da Hyundai com todos os diretores de equipa e o promotor do WRC. O que foi discutido nessa reunião?
Jost Capito: Todos os construtores querem um acordo com o promotor para 2014 e isto envolve sobretudo televisão: número de acreditações para equipas de TV, que tipo de imagens cada construtor pretende, os diferentes pacotes de imagens que estão disponíveis, etc. No primeiro dia do Rali de Portugal não recebemos as imagens que normalmente recebemos e ninguém sabia muito bem porquê (ndr, ao ponto de as marcas terem proibido os seus pilotos de darem entrevistas à televisão oficial do WRC). Deve ter havido algum mal-entendido e eles pediram um encontro para clarificar isso. Todos nós queríamos que isso ficasse bem definido antes de irmos para a Argentina e o acordo-base foi conseguido.
A: O papel do atual promotor parece um pouco obscuro para o público em geral, ninguém sabe muito bem o que eles fazem…
JC: Nós também não sabemos! Acho que até sabemos menos do que o público ou do que vocês… Queremos sobretudo entender para onde eles querem levar os ralis. Foi por isso que também promovemos este encontro em Portugal. Eles já estão no campeonato há um ano e queremos saber para onde nos querem levar. Este promotor parece ser basicamente uma empresa de televisão…
A: A ideia inicial era de que o papel do promotor no WRC seria mais alargado…
JC: Nós também pensávamos isso. Achamos que deveriam tratar de outras coisas mas, por outro lado, se os direitos de televisão estiverem bem definidos, as outras coisas vão atrás automaticamente. Mas sobretudo queremos perceber qual é o plano deles a longo prazo.
A: Nestas reuniões entre marcas está já a ser discutida a próxima geração dos carros do WRC após 2016?
JC: Ainda não. Mas acho que a melhor solução é haver uma certa consistência. Como por exemplo o motor global (ndr, 1.6 turbo) que foi introduzido para o WRC e para o WTCC. Podem existir pequenas diferenças entre ambos, os restritores podem ser de tamanhos diferentes mas a base é a mesma. O tempo de vida deste tipo de motor deve ser no mínimo 10 anos.
A: Há rumores de que a Toyota quer entrar no WRC mas com algumas condições, tecnologia híbrida por exemplo…
JC: Falei com eles em Monte Carlo e não me falaram de quaisquer condições. Não pode haver um construtor a querer entrar no Mundial impondo condições e as outras marcas que suportaram o campeonato durante vários anos terem de seguir essas condições. E também não me parece que a Toyota o queira fazer. Em todas as Comissões onde temos participado, temos defendido que nas categorias mais altas do automobilismo, como a Fórmula 1 ou os Sport-Protótipos, devem existir possível tecnologias híbridas. Mas se formos para as categorias mais próximas dos carros de série, a tecnologia deve ser mais próxima dos carros de série. É o caso do WRC. Aquilo que é vendido no stand deve estar nos carros de ralis. Não podemos sobrecarregar este desporto com tecnologia demasiado dispendiosa. E penso que a Toyota concorda com isto, essa tecnologia deve ser aplicada sim na Fórmula 1 e noutras categorias similares.
A: Como é que funciona o atual congelamento técnico no WRC e o papel dos jokers? Vocês utilizaram um joker no final de 2013 e agora não podem introduzir mais evoluções no carro?
JC: Todas as equipas concordaram que deve existir um joker/época para o motor e um joker/época para o chassis. Estes jokers são sobretudo para a fiabilidade ou outro imprevisto substancial. Não são para a performance. Por exemplo, o facelift da Ford para o Fiesta não é considerado um joker porque eles têm de acompanhar a mudança estética do carro de série.
A: E vocês continuam a lutar pela reintrodução das caixas de velocidades com patilhas no volante?
JC: Sim, porque achamos que isso poderá inclusive reduzir custos. Quando eu estava na Ford, votei contra essa tecnologia porque tínhamos caixas com patilhas e diferenciais eletrónicos. E nessa altura a FIA não tinha software para controlar se os diferenciais eletrónicos estavam a ser usados para outras funções. Havia essa oportunidade pela falta de controlo. Atualmente, com os diferenciais eletrónicos poderemos até poupar dinheiro porque não precisaríamos de ter todas as partes mecânicas para gestão da transmissão, a gestão eletrónica seria muito mais fácil e até barata. E a FIA agora já tem ferramentas para verificar esses diferenciais, para garantir que não há outras funções associadas.
A: No Rali de Portugal, por exemplo, as escolhas de pneus voltaram a ser fundamentais. Qual é o segredo para a Volkswagen normalmente acertar nas escolhas em situações de mudança do estado do tempo?
JC: Bem, é preciso ter alguém em quem confies na previsão meteorológica. E nós temos uma rapariga, a Silke Hansen, com quem trabalhei na Sauber na Fórmula 1, que depois levei para a M-Sport e que agora trouxe connosco para a Volkswagen. Ela é excelente e normalmente temos uma previsão fidedigna da evolução do tempo. As outras equipas usam previsões de outros fornecedores mas para mim ela é a melhor. Acho que a última vez que errámos na previsão foi na nossa primeira prova no WRC, o Monte Carlo de 2013. Errámos na previsão de neve e a equipa teve uma discussão interna sobre se não deveríamos seguir mais os nossos instintos e eu disse que não. Se tiveres dados e toda uma equipa de meteorologistas em quem confies, é neles que vamos acreditar. Porque se seguires esses dados vais errar uma vez em 10. Se começares a tentar adivinhar vais errar cinco em 10. Por isso, continuamos a tomar decisões baseadas nesses dados e não na emoção. Se errarmos, tudo bem, mas vais errar 10 por cento das vezes e não 50 por cento. É assim que trabalhamos.
A: Essa abordagem científica e prática é realmente um dos segredos do sucesso da Volkswagen no WRC, não é?
JC: Eu acho que sim. É uma abordagem analítica e muito disciplinada. É estabelecer metas de engenharia – por exemplo, em relação ao peso de um componente – e tentar atingi-las através desse método.
A: E ter o melhor piloto disponível também ajuda…
JC: Sim, mas não nos podemos esquecer que ele também desenvolveu um carro por si próprio. Isso era algo que o Sébastien Ogier nunca tinha feito na vida. Quando ele chegou à Citroën encontrou o melhor carro do mundo, ele já tinha lá o Carlos (Sainz), o trabalho estava feito por uma equipa várias vezes campeã do Mundo. E depois ele teve a coragem de saltar para o desconhecido e desenvolver um carro durante um ano quase por si próprio. Ele fez um trabalho incrível e para mim, mais do que a sua rapidez, esse é o grande mérito que o Sébastien teve. Construir um carro praticamente do zero e ser campeão com esse carro no primeiro ano. Quantos pilotos fizeram isso na História?
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